quinta-feira, março 25, 2004

Ontem ao fim da tarde, como todas as quarta-feiras, reunião de deputados de Braga. Diversas trocas de informação, avaliação da situação do grupo e decisão sobre as próximas visitas a concelhos do distrito. Falámos também da disponibilidade para um empenho decidido nas próximas eleições europeias.
Ao fim de dois anos de trabalho conjunto deu-se corpo a um grupo que tem concertado as suas intervenções e estado activo no parlamento e fora dele.
É uma dimensão da experiência política que contribui também para o enriquecimento de cada um uma vez que a actuação atomizada podendo ser atraente à primeira vista, acaba por tornar frágil a posição de cada um, já que nesse caso se fica dependente apenas da própria capacidade, com todos os riscos inerentes.
Vi ontem com a minha mulher o filme "A Paixão de Cristo" de Mel Gibson. Talvez ainda seja cedo para escrever sobre o impacto do mesmo. Mas arrisco algumas linhas: aquilo que mais me comoveu foi perceber a relação entre aquela violência (o preço da nossa redenção) e os meus pecados e também a relação de Cristo com a sua mãe. Comoveu-me o amor de Deus por mim e alegrou-me assistir, perceber melhor, aquela derrota do diabo! O mal não prevalece nunca, por maior que seja a aparência da sua potência!
Depois, tudo está muito bem feito e humano: os personagens parecem saídos dos quadros de Caravaggio, os olhares intensos, a reconstituição da época (as línguas utilizadas), os dilemas de Pilatos (tão próximos dos nossos!) e a coexistência em Judas da traição com a consciência de Quem era aquele homem que ele entregou (tão parecido com tantas circunstâncias da nossa vida...).
Mais duas observações:
A cena do "julgamento" no Templo (depois da prisão) é impressionante: a lógica implacável do poder (sempre racional e coerente), a falta de vontade em ouvir respostas (pela forma como se pergunta), o formalismo erigido em juízo, etc. Não muito distante de algumas formas de viver a política...
Não sei explicar muito bem, mas aquela cena de Jesus carpinteiro e também com Maria Madalena (no apedrejamento) fazem-nos perceber como a nossa vida podia ser mais humana e melhor se não fossemos tão violentos entre nós (nas exigências que nos fazemos), se aceitassemos a vida como nos é dada!
Para primeiras impressões são estas...mas cada vez mais gostava de ouvir a resposta àquela questão que um hindu colocou a um amigo meu (depois de ambos tertem visto o filme): "Porque é que o teu deus fez isto por ti?".
Recomendo vivamente!
Através da magnifica lista de mails "Povo" (editada pelo meu amigo Pedro Aguiar Pinto) chega-me esta Resolução da Assembleia Regional da Madeira. Uma clareza de critério e uma coragem política que são de saudar!
Eis esse documento:

A Assembl. Legisl. Regional da Madeira considera totalmente anti-democrática a ideia de um novo referendo

A Assembleia Legislativa Regional da Madeira, através de uma Resolução Legislativa Regional publicada em Diário da Republica, recomenda à Assembleia da Republica e ao Governo Regional que tome posição em defesa da vida e onde se refuta totalmente como anti-democrática a ideia de um novo referendo, em desrespeito pela escolha feita em 1998 pelos portugueses e invoca pela primeira vez a possível inconstitucionalidade daquilo que já se permite na lei.
Passamos a publicar o texto integral publicado no DR.

NÚMERO : 63 SÉRIE I-B

EMISSOR: Região Autónoma da Madeira - Assembleia Legislativa Regional

DIPLOMA/ACTO: Resolução da Assembleia Legislativa Regional n.º 3/2004/M

SUMÁRIO: Recomenda à Assembleia da República e ao Governo Regional da Madeira que tomem algumas medidas necessárias para a protecção da vida e combate ao aborto clandestino

PÁGINAS DO DR : 1375 a 1376

TEXTO :

Resolução da Assembleia Legislativa Regional n.º 3/2004/M Recomenda à Assembleia da República e ao Governo Regional da Madeira que tomem algumas medidas necessárias para a protecção da vida e combate ao aborto clandestino.
O direito à vida é o primeiro de todos os direitos humanos. A Constituição Portuguesa acolhe este princípio no artigo 24.º, n.º 1, que estipula que «a vida humana é inviolável».
A despenalização do aborto em todos os casos, pretendida por algumas correntes políticas, contraria a protecção da vida e, mais do que isso, não resp eita a vontade soberana do povo português manifestada em referendo em 28 de Junho de 1998.
A liberalização da interrupção voluntária da gravidez até 10 semanas é um atentado à vida e aos princípios morais e éticos do povo português. A Lei n.º 6/84, de 11 de Maio, prevê no artigo 1.º, que altera o artigo 140.º do Código Penal, sobre a exclusão da ilicitude do aborto:
«1 - Não é punível o aborto efectuado por médico, ou sob a sua direcção, em estabelecimento de saúde oficial ou oficialmente reconhecido e com o consentimento da mulher grávida quando, segundo o estado dos conhecimentos e da experiência da medicina:
a) Constitua o único meio de remover perigo de morte ou de grave irreversível lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida;
b) Se mostre indicado para evitar perigo de morte ou de grave e duradoura lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida, e seja realizado nas primeiras 12 semanas de gravidez; < BR>c) Haja seguros motivos para prever que o nascituro venha a sofrer, de forma incurável, de grave doença ou malformação, e seja realizado nas primeiras 16 semanas de gravidez;
d) Haja sérios indícios de que a gravidez resultou de violação da mulher e seja realizado nas primeiras 12 semanas de gravidez.»
O resultado do referendo realizado na Madeira foi claro: 49733 eleitores votaram «Não» e 15681 votaram «Sim». Perante estes dados, a Assembleia da República não pode desrespeitar o resultado do referendo legislando à revelia da vontade das populações. Por outro lado, não faz sentido que, passados apenas cinco anos, se volte a referendar esta matéria.
O problema do aborto existe, mas não é legalizando a sua prática que ele deixa de existir. As suas causas combatem-se com medidas de luta contra a pobreza, com o apoio às famílias e mães solteiras, com políticas de planeamento familiar e com uma correcta educação para a sexualidade e os afectos junto dos nossos jove ns.
Neste sentido, a Assembleia Legislativa Regional da Madeira, directa representante do povo da Madeira e do Porto Santo, recomenda: 1 - A Assembleia da República deve respeitar a vontade do povo português manifestada no referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez realizado em 28 de Junho de 1998.
2 - A Assembleia da República deve elaborar legislação que favoreça a protecção da vida e combata o aborto clandestino através de medidas de apoio sócio-educativo.
3 - O Governo Regional deve reforçar as consultas de planeamento familiar nas unidades de saúde e a educação para a sexualidade e os afectos nos estabelecimentos de ensino da Região.
4 - O Governo Regional deve reforçar as medidas de apoio às famílias, aos jovens casais, às mães solteiras e à maternidade no sentido de erradicar o aborto clandestino.
Aprovada em sessão plenária da Assembleia Legislativa Regional da Madeira em 4 de Fevereiro de 2004.
O Presidente da Assembleia Legislativa Regional, José Miguel Jardim d'Olival Mendonça

terça-feira, março 23, 2004

Vale agora a pena recapitular o processo legislativo na assembleia: tudo começa com uma proposta do governo ou de algum dos grupos parlamentares. O projecto dá entrada na mesa da Assembleia, é anunciado em plenário e publicado. Se por lei for obrigatório é enviado para consulta publica. Apresentado na comissão respectiva é nomeado um relator para o mesmo (sempre de partido diferente do proponente). Este relatório consiste numa descrição do mesmo, na história legislativa da questão, algum direito comparado, quando justificável, considerações do autor do relatório sobre os (de)méritos da proposta. Segue-se-lhe as conclusões e o parecer. Votado em comissão este relatório, o projecto fica pronto a ser apreciado em plenário. Submetido a votação na 5ª feira seguinte ou passa e baixa outra vez à comissão respectiva (para debate na especialidade) ou é chumbado e não se fala mais no assunto...
Por vezes antes e por vezes depois: audições de especialistas na matéria ou dos parceiros sociais da área a que se refere o projecto.
Por trás disto e mais uma vez, horas e horas de trabalho: trabalho do relator em conjunto com os assessores da área, reuniões de preparação do debate (preparação de perguntas e intervenções), presença nas audições dos deputados a quem o debate diz respeito, idas e contactos com a comunicação social a defender os respectivos pontos de vista, às vezes seminários e colóquios sobre o tema (sempre certos nos diplomas de maior importância), contactos com organizações do sector a colher informações e sugestões, encontros com os responsáveis governamentais autores dos projectos, etc.
Tudo isto explica que mais ou menos rapidamente se percebe que não se vai conseguir seguir os assuntos todos que nos interessam e a especialização é o destino inevitável do deputado...
Na verdade ele tem de conciliar este seu trabalho com as tarefas que lhe surgem como deputado de circulo (despachar assuntos, encaminhar pedidos, encontrar responsáveis governamentais, organizar visitas a concelhos) ou outras como político: intervir em encontros fora do parlamento, despachar correspondência (o que tem de ser ele próprio a fazer porque só há uma secretária para cada grupo de 6 ou 8 deputados!), responder a quem o procura, receber em audiência quem lhe pede ou atendendo a distribuição de trabalho dentro do grupo parlamentar, representar o partido ou o grupo em ocasiões sociais e outras, escrever artigos, dar entrevistas, etc.
O segredo para sobreviver: perceber muito bem o que importa fazer, o que é o mais importante e útil politicamente. Esta parte é a mais dificil e acho que só agora me começo a aperceber disso...:-)
A dor disto tudo: pequenos assuntos, pessoas que nos procuram e ficam desatendidas, problemas pessoais que não tem solução e resultam da pequenez e pobreza do país. Uma verdadeira dor!
A alegria: o que se consegue fazer bem feito, as felicitações que às vezes nos chegam (com menos facilidade do que as reclamações...), as pessoas ou grupos que se sentem acolhidos e olhados, as vitórias politicas, um sentimento de que se está a fazer algo pelo bem comum.
Tudo somado, uma grande experiência!
Reunião de há pouco da Comissão do Trábalho e dos Assuntos Sociais: agendada a discussão na especialidade da Lei de Bases da Família e também da regulamentação do Código de Trabalho. Por trás destas simples menções está uma lista enorme de tarefas e muitas horas de trabalho: investigação do assunto (com a ajuda dos assessores da área), apresentar propostas de alteração, estudar as dos outros partidos, concertar posições entre partidos e com os ministérios respectivos (no caso das bancadas que apoiam o governo), reuniões de preparação dos debates, discussão na comissão dessas propostas e votações, algumas discussões processuais e também momentos de humor e descontracção.
Em termos de relação com o eleitorado, existe um "problema":este trabalho é completamente invisivel dos eleitores...
E em boa verdade também é quase invisivel no interior de um grupo parlamentar onde as grandes fontes de "brilho" do deputado são a participação em debates no plenário, as intervenções em PAOD ou os seus reflexos na comunicação social.
Que se ganha? Um conhecimento aturado dos dossiers e da legislação e também do processo de feitura das leis, a oportunidade de em um pequeno pormenor introduzir uma melhoria assinalavel (tecnica ou política), um muito dificilmente explicável sentimento de paternidade em relação àquelas leis em cuja feitura se participou.
E sobretudo a consciência e a paz de um trabalho bem feito, o que dá muita satisfação!
O REI VAI NU!
(publicado no Público de 3 de Março de 2004)

O Aborto tornou-se nos últimos anos uma bandeira política que da Esquerda à Direita todos parecem gostar de desfraldar.
Por isso, se procuram consensos em nome do que todos chamam uma chaga social, e a que tragicamente parece que a Sociedade e o Estado têm de aderir.
1 – Esse desfraldar de bandeira, costuma reduzir-se apenas e tão só à discussão jurídico-penal. A saber, o Aborto deve ou não ser censurável?
Como ninguém ousa dizer que o Aborto é um acto positivo e louvável seja em que momento for, parece que a resposta à pergunta acima colocada terá de ser “O Aborto é um acto pessoal, social e juridicamente negativo”.
Está em causa, entre outros valores, em primeiro lugar o direito à vida de um ser humano, que já o é e, o direito à saúde física e mental de uma mulher e de um homem ( mãe e pai ).
No nosso Ordenamento Jurídico tudo o que não é proibido é permitido. Estado de Direito. Certo? Avancemos… Assim, não resta outra solução senão proibir.
A solução para uma dificuldade não é, não pode ser eliminar um ser humano. As elites têm de o dizer! A política do facilitismo está aí – no seu mais cruel! De que vale a solidariedade social quando perante uma dificuldade a solução apontada é – O Aborto.
Por isso o Aborto é penalmente sancionado.
2 – Em que medida? Segunda questão, muitas são as respostas.
Enfoca-se, no tempo de gestação, nas causas que podem “justificar” tal acto, nos agentes do acto, no direito comparado, e nos maiores exercícios de psiquismo que levam a dizer “O Rei vai nu”.
Está nesta linha, a última solução jurídico-penal apresentada pelo aliás brilhante, Professor de Direito Administrativo – Freitas do Amaral.
3 – De facto, o Sr. Professor:
- Não nega, a existência de uma vida humana que o direito penal deve continuar a tutelar;
- Não nega, que quem o praticar deve ser penalmente censurado (punido);
- Não concede, à mãe a livre decisão sobre o destino do ser de que é portadora;
- Ao invés, naquela formulação, quem praticar o Aborto sem fundamentos deve ser sancionado penalmente, incluindo a mãe.
4 – Porém, o exercício jurídico agora trazido a lume apresenta como “novidade” o fundamento que pode afastar a ilicitude – o estado de necessidade da mãe. Convenhamos que, este – estado de necessidade – incluído na Parte Geral do Código Penal, aplica-se já a todos os crimes tipificados na parte especial desse Código, entre eles o Aborto.
A novidade “ presunção legal (estado de necessidade da mãe)”, determina que, até prova em contrário, todas as mulheres praticam o Aborto em estado de necessidade “Lex dixit”.
Assim, todas as mulheres são “ab initio” coitadas.
A partir daqui a mulher passa a gozar de estatuto de 2ª Classe – A coitada! “Coitada”, não se pode esperar mais dela!
Todas as mulheres são assim atiradas para uma “incapacidade natural”, geradora de inimputabilidade.
Não Obrigado!
5 – Por fim, até agora era o Juiz, no âmbito do processo e em especial no Julgamento, quem apreciava do estado de necessidade.
Tanto mais que, é um conceito, amplamente trabalhado pela Jurisprudência e pela Doutrina cujos contornos não são simples de apreciar e ajuizar. Com a inversão do ónus da prova coloca-se a vida mais íntima de uma mulher nas mãos da investigação criminal, entregue na esmagadora maioria a agentes policiais. Nada tenho a opôr aos Srs. Agentes. Mas pergunto se estão estes suficientemente ilustrados para apreciar tal questão, no meio de uma investigação.
Dos 20 anos que levo de trabalho nos Tribunais, do muito que já vi e ouvi depois de sair da Faculdade de Direito, parece-me a solução agora proposta uma daquelas tentativas de “progressismo” onde no final quem sai mal, somos todos. Em especial as mulheres, os juristas (aguardo que a Academia diga de sua Justiça) e os Direitos Humanos .
De facto, não é a lei que deve ser mudada. Os ventos de leste ainda desfraldam estas bandeiras da lei do Aborto. Mas mal. Porque de facto, se é de dignidade da mulher que se trata, não se lhe ofereça o Aborto. Essa dor imensa que é destruir um ser humano, um filho. Mas a capacidade de assumir uma vida, uma fonte de esperança e alegria, uma fonte de dignidade.
Obrigado, mas queremos ser mulheres, com todos os riscos e dificuldades da vida, com a garra e a alegria de quem pode viver em liberdade.
Com humildade, mas com força e esperança, é
- Em nome dos direitos fundamentais do homem, de que o direito à vida é o primeiro;
- Em nome da segurança, que garante o direito à vida, anterior à que garante os meios para viver;
- Em nome do fundamento da democracia que é a confiança no futuro e a esperança nos homens, numa sociedade que não hierarquiza seres humanos, subordinando os mais fracos aos mais fortes que ouso dizer,
No mais … O rei vai nu!
Isilda Pegado, Deputada à Assembleia da República / PSD
Aborto: a sociedade mudou?
(publicado no Diário de Notícias de 3 de Março de 2004)

Entre outros méritos, a iniciativa cívica denominada Mais Vida Mais Família, cujo abaixo-assinado, de acordo com os seus organizadores, já reuniu até este momento 190.635 assinaturas (ou seja significativamente mais do que as 121 mil da petição, promovida pelo PS e pelo BE, em favor de um novo referendo sobre o aborto), tem aquele de confirmar que a sensibilidade da sociedade portuguesa em relação à questão do aborto é hoje, a mesma de 1998.

Não me parece possível outra conclusão quando um grupo de cidadãos anónimos, apoiados só por um conjunto de associações cívicas, em apenas quatro semanas (contra dois anos de reivindicação e quatro meses de presença nas ruas dos movimentos de sinal oposto) reúne um tão expressivo número de assinaturas, maior ainda (sublinhe-se) do que aquele que foi necessário para registar quatro grupos cívicos no referendo de 1998 (também 120 mil).

Percebo que afirmá-lo assim parece escandaloso. Sobretudo quando se atenta na cortina de fumo montada pela esquerda mais aguerrida, com a cumplicidade objectiva do “mainstream” da comunicação social. Uma cortina de fumo montada aliás com um propósito, não apenas ideológico. O objectivo real da oposição é o de, usando uma matéria fracturante, quebrar a unidade da coligação no poder…

Mas os sinais de que não existem grandes mudanças não se esgotam nos acima enunciados. Um jornal diário publicou-se recentemente uma sondagem completa sobre esta questão. Perguntava-se sobre as “razões” para abortar que os portugueses consideravam justificativas de uma modificação da legislação. Ora, quando perguntados sobre se estas razões incluíam as dificuldades económicas ou o simples não querer ter mais filhos, as respostas positivas somavam apenas 48%. Ou seja sensivelmente a mesma percentagem que em 1998 apoiava a liberalização do aborto até às 12 semanas, a pedido da mulher!

Assim, penso, não se pode senão concluir:

1. Existem neste momento dois países que coincidem no mesmo espaço: aquele que nos mostra a comunicação social, onde as posições como esta que expresso, não tem espaço nem respiração (com esta honrosa excepção), e um outro, bem real, onde vivem as pessoas de carne e osso, para quem o aborto não é a questão central das suas vidas. E que quando perguntados sobre este, o que exigem aos decisores políticos, são medidas concretas de defesa da vida e da família.
2. A sensibilidade da sociedade portuguesa é hoje a mesma de 1998 e, quanto muito, até pelos progressos da ciência médica e a difusão das tecnologias que revelam a vida intra-uterina, é hoje maior a consciência do valor e dignidade da criança por nascer e
3. A decisão, de rejeição pela maioria dos deputados na Assembleia da República, das propostas de aborto livre e até de referendo sobre esta matéria, correspondem à vontade de uma maioria significativa dos portugueses.

António Pinheiro Torres, deputado do PSD, fundador dos Juntos pela Vida.
O aborto e a Resolução: uma declaração de voto
(publicado em O Diabo de 9 de Março de 2004)

Em conjunto com oito colegas* subscrevi uma Declaração de Voto sobre o Projecto de Resolução n.º 225/IX/2 (Sobre medidas de prevenção no âmbito da interrupção voluntária da gravidez) apresentado pelos partidos social-democrata e popular, no plenário da Assembleia da República, na passada 4ª feira, e no âmbito da discussão de diversos projectos sobre aborto.

A Declaração de Voto, esclareça-se, é o meio regimental pelo qual é possível a um deputado (isolada ou conjuntamente), explicar porque votou ou deixou de votar um projecto de lei e também expressar as reservas que tenha ao texto, que por alguma razão votou favoravelmente, mas com cujo conteúdo (ou parte deste) não concorda.

Como explicamos na introdução à nossa declaração fizemo-lo (votar favoravelmente) porque nesse momento nos pareceu importante assegurar a unidade do nosso grupo parlamentar. No entanto, inconformados com algumas das suas disposições, que atentam gravemente contra a nossa consciência e princípios elementares da convivência civil (entre os quais avulta o direito à vida) apresentámos a referida declaração.

Revendo-nos inteiramente em algumas das suas disposições (referimo-nos àquelas respeitantes ao apoio à maternidade, à adopção e a grávidas em dificuldade) preocupam-nos muito três aspectos: a conciliação da obrigatoriedade da educação para a saúde (que inclui a educação sexual) com a liberdade dos pais de educarem os seus filhos; a obrigatoriedade de dispensa, pelas farmácias, de todos os meios anticonceptivos (o que inclui os abortivos) com o estatuto do farmacêutico (e o seu direito constitucional à objecção de consciência) e, por fim, as disposições relativas à lei 4/84, ou seja, ao regime actual do aborto legal.

Detenhamo-nos neste último ponto: a Resolução além de pedir ao Governo que faça cumprir uma lei que consideramos iníqua, retoma uma previsão da actual lei do aborto que consiste na possibilidade destes serem realizados em estabelecimentos particulares (reabrindo-se assim uma “caixa de pandora” pela qual poderão entrar as clínicas privadas com todas as suas consequências dramáticas). Este ponto é particularmente grave porque é precisamente a possibilidade de realizar os abortos em clínicas privadas que explica que, com uma lei em tudo idêntica à nossa, em Espanha, em 2002, se tenham realizado 77.125 ao abrigo da mesma legislação. Dos quais 98% em estabelecimentos particulares…

Vale a pena recordar que da iniquidade da actual lei do aborto, não tiveram dúvidas, em 1984, nem o PSD nem o PP: ambos os partidos votaram então contra em conjunto com a ASDI. É pena que 20 anos depois, vencidos pela pressão da mentalidade comum, numa bem intencionada tentativa de travagem das pretensões liberalizadoras, ambos os partidos se sintam obrigados a prestar vassalagem as uma lei que, como dizemos na nossa declaração, atenta contra o direito à vida, à segurança para nascer, abala o estado de direito (porque impõe o poder dos mais fortes sobre os mais fracos) e, sobretudo, retira ao homem a liberdade em vez de o ajudar a enfrentar a vida, na sua dramaticidade permanente.

António Pinheiro Torres, deputado do PSD.

* Ribeiro Cristóvão, Costa Oliveira, Miguel Miranda, Isilda Pegado, Barreiras Duarte, Luis Gomes, Pina Marques, Bessa Guerra.
DECLARAÇÃO DE VOTO
No Projecto de Resolução n.º 225/IX/2*
O nosso** voto favorável à presente Resolução tem como primeira razão o facto de entendermos que a política tem por objectivo acima de tudo o bem comum e a realização do homem. Daí que o projecto político em que nos integramos carece neste momento de unidade de todo o grupo parlamentar em volta do que se entenda o mínimo de decisão comum. Porém a presente Resolução atenta contra princípios que em consciência não podemos subscrever tal como abaixo explanaremos, sendo certo que em outros pontos nos revemos inteiramente.

I – A proposta tem méritos evidentes. Louvamo-nos no ponto 2 (apoio à maternidade) e no ponto 1.6 (flexibilização do horário escolar) onde são apontados instrumentos reais de solidariedade para com pessoas que em momentos concretos da sua vida precisam de ajuda para gerir, ultrapassar e vencer circunstâncias difíceis ou especiais.
De facto, livre não é o homem que opta por cumprir um plano aprioristicamente traçado por si, pela sociedade ou pelo Estado. Este é o prisioneiro, o homem sem liberdade.
O homem livre é aquele que adere ás circunstâncias da vida e em função delas reconhece o risco inerente à existência e se constrói como homem.

II – Neste projecto, a educação sexual nas escolas é apontada como um dos instrumentos capazes de combater a gravidez inesperada que se crê seja fruto da falta de informação dos jovens.
É esta matéria de enorme sensibilidade atenta a sua natureza. A educação sexual é reconhecida, em instâncias internacionais e em tratados a que Portugal aderiu, como uma área de educação que pertence ao núcleo íntimo e identificador de uma família. Faz parte do património de cultura familiar que os pais têm o direito de transmitir aos filhos. Por isso mesmo integra-se no direito fundamental do homem de educar os seus filhos, que não pode ser violentado ou cancelado sob pena de inconstitucionalidade e atentado aos direitos fundamentais.
Ora, o projecto de resolução 225/IX/2 faz de facto referência à Constituição e à Convenção Europeia dos Direitos do Homem no que respeita a este direito dos pais. Porém, parece existir uma contradição quando se refere uma disciplina ou área curricular obrigatória.
Há por isso que ressalvar que pode e deve o Estado obrigatoriamente fornecer na escola educação sexual, mas a sua frequência está na livre disponibilidade do pai ou da mãe (ou outro encarregado de educação) do educando.
Por isso os pontos 1.1 a 1.5 deverão ser apreciados à luz do princípio fundamental acima referido; e o PSD como partido democrático, humanista e consciente da identidade do Povo Português, cujos destinos agora dirige, não poderá deixar de lhe atender nas medidas legislativas e administrativas que resultarem desta resolução.
De qualquer das formas sempre se acrescentará que, dando por certa a boa intenção dos proponentes do projecto, as experiências de educação sexual em praticamente todos os países europeus tem conduzido a resultados inversos àqueles pretendidos e, como referido por reputados especialistas na matéria, os problemas da sexualidade juvenil não provém sobretudo de falta de informação nem de escassez de acesso a meios de contracepção mas de condutas irresponsáveis induzidas pela mentalidade comum.

III – Discordância mais frontal nos merece o que nos parece ser um atropelo à liberdade de consciência no exercício de uma profissão.
A natureza, dignidade, responsabilidade e interesse público de determinadas profissões implica para os seus profissionais um conjunto de condutas éticas, que resultam da própria natureza da actividade, e que o Estado não pode violentar.
Estão entre esses profissionais o médico, o advogado, o notário e o farmacêutico.
Assim como o cliente pergunta ao advogado: “Aceita o meu caso?”; também o cliente chegado à farmácia diz(ia): “Dispensa-me este ou aquele medicamento?”
A farmácia é o estabelecimento do farmacêutico.
Na farmácia quem decide é o farmacêutico.
Vasta é já a doutrina publicada sobre esta matéria (em geral formulada para se saber se a farmácia pode ser explorada por um não farmacêutico – o que é negado na lei e nesses pareceres) onde se afirma este princípio de liberdade e discricionariedade ética e profissional concedida ao farmacêutico, atenta a natureza liberal e de serviço público da actividade.
(Em jeito de Nota Histórica, referimos o caso do notariado, antiga profissão liberal que o Estado Novo incorporou no regime da administração pública. No entanto, mesmo então, houve o cuidado de deixar expressamente consignado no Código do Notariado que o Notário é livre de tabelionar ou não os actos e contratos que lhe são solicitados).
O ponto 3.1. da resolução, ao pretender impor uma obrigação de dispensa de medicação contraceptiva (“todos os meios e métodos contraceptivos previstos na legislação em vigor”), pretende retirar ao farmacêutico uma liberdade que a lei lhe assegura, e que o regime do Estado Novo, no caso paralelo que apontámos, não ousou negar sequer aos funcionários públicos: a liberdade de juízo ético no exercício da actividade profissional.

IV – Embora tornando imperfeita a Resolução proposta, as dificuldades atrás levantadas não nos impediriam de a votar favoravelmente com uma declaração de voto que clarificasse os nossos pontos de discordância.
Já o ponto quarto da Resolução é para nós totalmente inaceitável.
As questões relacionadas com a vida intra-uterina, sua protecção, estatuto e relação com a maternidade estão intrinsecamente relacionadas.
Motivo de confronto ideológico e muitas vezes de oportunismo político, o Aborto está neste quadro carregado de dramaticidade que não pode deixar de inquietar toda a sociedade.
Muitas têm sido as horas despendidas nesta Assembleia com tal problemática.
O que está dito, está registado, e por isso é conhecido.
Ao aceitar ser deputados à Assembleia da República pelo PSD, temos pleno conhecimento dessa história, das batalhas travadas, das centenas de deputados que nesta bancada se sentaram e da forma como perante tal questão se colocaram.
Em 1984 foram feitas desta bancada intervenções brilhantes para proclamar a defesa do direito à vida, desde a concepção.
Nesse ano de 1984, o PSD, em coligação com o PS no Governo, votou em bloco contra os Projectos de Lei abortistas do Partido Comunista e do PS. A Lei 4/84 foi aprovada com votos do PS, PCP e MDP/CDE; contra votaram o PSD, o CDS e a ASDI.
Foi uma derrota que nesse dia o PSD sofreu; mas a derrota desse dia é inseparável da vitória eleitoral que se lhe seguiu. No ano seguinte, 1985, o PSD subiu ao poder, onde se manteve durante 10 anos.
A referida Lei 4/84 encontrou na sociedade exígua aceitação, não só por parte das famílias como também por parte dos profissionais de saúde a quem é pedida a participação no acto abortivo. O número de abortos praticados no Serviço Nacional de Saúde é reduzido, e não há notícia de casos concretos de alarme social causado por queixas de utentes desatendidas nos hospitais na sua pretensão de abortar. Tanto assim que o PS, proponente do projecto que deu origem à lei 4/84, não sentiu necessidade, no seu tempo de governação, de quaisquer medidas concretas de implementação.
Desde 1984 o PSD não tem alterado a posição que então definiu no debate e votação final. Nunca em qualquer congresso do PSD foi aprovada em Moção de Estratégia a adesão a tal lei; nunca o PSD se apresentou ao eleitorado com um programa de implementação pro-activa da lei 4/84.
Também em 1997 e 1998, diante de uma nova investida da esquerda para liberalizar o aborto, o PSD, na Assembleia, votou praticamente em bloco, em dois anos consecutivos, em defesa da Vida.
E aprovada a lei assumiu o risco político de a chamar a referendo e empenhou-se com o PP e os movimentos cívicos em revogá-la. O resultado de 28 de Junho de 1998 foi reclamado pelo então Presidente do PSD como uma vitória política do partido.
Ao arrepio de toda esta história política cimentada nos 20 anos decorridos desde 1984, vem agora sugerir-se ao Governo que “implemente” e crie novos mecanismos de aplicação de uma lei contra a qual o PSD votou, que nunca sufragou e para cuja ratificação não recebeu mandato nem dos militantes nem do eleitorado.
Em 1984 considerámos as propostas abortistas da maioria de esquerda e a lei que delas resultou, iníquas. O nosso juízo mantêm-se.
A lei 4/84:
Atenta contra os direitos fundamentais ao violar o primeiro direito, o direito à vida;
Atenta contra o direito à segurança, porque antes da segurança de viver, está a segurança para nascer;
Atenta contra a democracia porque abala o Estado de Direito e impõe o poder dos mais fortes sobre os mais fracos;
Retira ao homem a liberdade em vez de o ajudar a enfrentar a vida na sua dramaticidade permanente.
Assim o parece entender também a sociedade portuguesa.
Na verdade deram entrada nos últimos 30 dias e na Assembleia da República, duas petições de sinais distintos: uma, subscrita por 121.571 cidadãos, que reclamam a realização de um novo referendo sobre o aborto, e outra, subscrita por 190.635 cidadãos, que, além de exigirem medidas concretas a favor da Vida e da Família, “pretendem reafirmar a sua convicção de que a valorização da vida humana deve continuar a merecer, no Código Penal, a protecção, a todo o tempo, da vida intra-uterina, através da definição como crime, da sua violação”.

Por isso, fundados num combate de 20 anos contra a liberalização do aborto, apresentamos a presente declaração de voto a fim de que a nossa posição e certeza, seja com humildade mas firmeza, mais uma vez consignada nesta Assembleia.

Palácio de S. Bento, 3 de Março de 2004

* proposto pelos dois partidos da maioria: PSD e PP.
** esta declaração foi subscrita pelos seguintes deputados (do PSD): Isilda Pegado, Ribeiro Cristovão, Bessa Guerra, Luis Gomes, Costa Oliveira, Miguel Miranda, João Carlos Barreiras Duarte, Pina Marques e eu próprio.
Aborto: Parlamento Português rejeita Ampliação
Pela terceira vez fracassa tentativa de liberalizar mais o aborto

No dia 3 de Março, com os votos dos dois partidos do governo, PSD (Partido Social Democrata) e PP (Partido Popular), o parlamento português rejeitou 3 propostas de ampliação do aborto apresentadas pelos partidos de esquerda, PS (Partido Socialista), PCP (Partido Comunista Português) e BE (Bloco de Esquerda), e ainda a proposta de realização de um referendo sobre a mesma matéria.

Mantém-se, pois, em vigor a lei de 1984. O aborto é permitido, em qualquer altura, quando seja o «único meio de remover perigo de morte ou de grave ou irreversível lesão para o corpo ou para a saúde física e psíquica da mulher grávida»; quando for apenas «indicado», e não «o único meio», para resolver uma destas situações, o prazo limite são as 12 semanas; em caso de «grave doença ou malformação» do feto, até às 24 semanas; em caso de violação, até às 16 semanas.

A rejeição das propostas de ampliação do aborto por parte dos dois partidos do governo foi feita para cumprir o acordo que deu origem à coligação que desde Março de 2002 governa o país. Nessa altura o PP exigiu que, por respeito para com o “não” que ganhou o referendo popular realizado em 1998, até 2006 fossem recusadas todas as propostas de ampliação dos pressupostos do aborto legal.

Apesar desta rejeição, mostrou-se que muitos deputados que votaram a rejeição o fizeram apenas por razão desse compromisso, e pela disciplina de voto que o PSD impôs aos seus deputados.


Terceiro fracasso

Em 1997, quando o PS governava e detinha metade dos lugares do parlamento, a sua proposta de ampliação do aborto foi rejeitada por um só voto de diferença. Contudo, um acordo entre os líderes dos dois principais partidos leva a um referendo em 28 de Junho de 1998.

Aos 8.500.000 votantes iria perguntar-se: «Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas 10 primeiras semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?»

Pelo “sim” lutaram o PCP e a maioria dos políticos do PS (embora o católico António Guterres – líder do partido e primeiro-ministro tenha manifestado formalmente a sua oposição). O PSD – internamente muito dividido – não tomou posição. O PP lutou pelo “não”.

Os meios de comunicação não esconderam a sua preferência pelo “sim”. Sondagens, inquéritos, análises e previsões eram unânimes sobre a certeza da vitória do “sim”.

Face à elevada abstenção (68%, mais do que os 50% indispensáveis para o tornar vinculante), mas apoiados nas primeiras previsões indicando a vitória certa do “sim”, comunistas, socialistas, e todos os militantes pró-aborto declararam formalmente que o referendo tinha de ser respeitado, apesar da abstenção.

Mas no final o “não” conseguia mais 48.000 votos que o “sim”. E o referendo, sem ser vinculante, recebeu dos pró-abortistas a involuntária garantia de ser respeitado.


Política e comunicação

O relançamento da discussão do aborto foi prometida antes de Setembro passado pelo BE (Bloco de Esquerda), formação de extrema esquerda nascida em 1999, actualmente com 3 lugares no parlamento. A sua ideologia já foi descrita como “a síntese da Revolução de Outubro de 1917 com o Maio de 1968”: a legalização das drogas, o aborto livre, o casamento de homossexuais, são algumas das suas bandeiras.

Mesmo com apenas 2,79% do eleitorado e 150.000 votantes, o BE demonstra dominar os recursos da propaganda e conquistou protagonismo nos meios de comunicação. Roubou ao PS e ao PCP a iniciativa das propostas de esquerda, também quanto ao aborto.

De Setembro até ao dia 3 de Março, a questão do aborto, e a posição pró-aborto em especial, ocupou a opinião pública em diversas abordagens, doseadas ao longo do tempo. Partir de um facto: o julgamento de 17 implicados em práticas de aborto. Sublinhar a “crueldade de atirar para a prisão as mulheres que abortam”. Citações de defensores da vida (políticos, bispos, médicos) que, naturalmente, vêm dizer que “não querem que as mulheres vão para a prisão”. Concluir como é absurdo ser-se pela penalização do aborto e não querer mandar as mulheres para a prisão. Publicar números e percentagens sobre abortos legais e clandestinos, afirmando que a lei actual está antiquada. Protestar porque a lei actual obriga as mulheres portuguesas ir abortar às clínicas privadas espanholas. Demonstrar o apoio popular com uma “petição ao parlamento para um novo referendo” que reuniu 120.000 assinaturas. Publicar lista de subscritores significativos (50 artistas, 30 professores universitários). Novas sondagens revelando que 70% dos portugueses consideram oportuno debater o aborto. E repetir de mil maneiras que o Portugal de agora já não é o mesmo, e que tudo vai mudar.

Os dois principais diários (“Diário de Notícias” e “Público”) revelam uma tendência favorável à ampliação do aborto. Vários jornalistas do “Público”, incluindo o subdirector Eduardo Dâmaso (que interveio como comentador final de um debate televisivo entre partidários e opositores do aborto), são subscritores da petição do referendo. O semanário “Expresso”, o jornal com mais leitores, tem no director, José António Saraiva, uma das poucas pessoas que frontalmente se mostra contrário. “Só há uma forma de não colocarmos tudo em causa: estabelecermos o princípio de que a lei tem de defender a vida humana desde o momento em que se forma até ao momento em que se extingue. Aceitar excepções a esta regra é, objectivamente, consagrar na lei os atentados contra a vida”.

Na altura do Natal, o Presidente da República, indultou 38 pessoas, entre as quais uma enfermeira condenada pela prática de aborto agravado. O gesto foi interpretado como uma intervenção no debate mediático.


Os argumentos

A discussão mediática esteve principalmente centrada sobre a adequação da pena de prisão à prática de aborto: se é oportuna, ou não, a despenalização (manter como crime mas não definir penas) ou se é preferível a descriminalização (passando a ser um ilícito de outra natureza jurídica), ou se será melhor, antes, criar situações processuais especiais que impeçam o decurso do processo. Um debate labiríntico, e sempre a criar espaços de legitimidade para o aborto.

Em quase todos os casos, e tanto na boca dos pró-vida como dos pró-aborto, se afirmava: “pelo menos concordamos em que o aborto é um mal”. Tal pressuposto, contudo, é talvez o mais falacioso. Não é a mesma coisa dizer-se que o aborto é um mal por ser semelhante ao mal que há quando um filho bate na mãe; ou dizer-se que o aborto é um mal por ser semelhante ao mal de quem vai ao dentista. O “mal” que há, por exemplo, em caluniar, é necessariamente duma natureza diferente do mal que há, por exemplo, em tropeçar e partir uma perna.

O hábito de se ser relativista na verdade e céptico na moral facilita estas ambiguidades. Chesterton há quase um século denunciara esse modo de argumentar, em raciocínios do tipo: “independentemente do que cada um de nós possa pensar sobre o extermínio dos mendigos, pelos menos temos de concordar em que deve ser feito em boas condições de higiene”.


A posição pró-vida

Tal como na altura do referendo, a posição a favor da vida foi personificada por associações de defesa da vida e da família, como “Associação Mais Família”, os “Jovens Socialistas Católicos”, a “Federação Portuguesa pela Vida", “Ajuda de Berço” ou a “Associação Portuguesa de Famílias Numerosas”. Apesar de demonstrar pouca experiência no debate público, foram marcando presença nas várias instâncias a que foram chamadas.

A principal iniciativa foi recolher assinaturas para uma petição em favor da vida e da família intitulada “Mais vida, mais família”. Num só mês reuniram 200.000 assinaturas, significativamente mais que as 120.000 que, durante mais de três meses, conseguiu a petição pelo referendo. Um êxito que ultrapassou as expectativas.


A Igreja envolvida no debate

A Igreja foi envolvida a contragosto. Tudo começou com a publicação no Expresso de uma entrevista com o bispo do Porto onde se escrevia que “o aborto não devia ser penalizado”. Três dias depois a comissão permanente da conferência episcopal, reconhecendo a perplexidade gerada por estas afirmações, declarou que “a Igreja opõe-se a todas as tentativas legais ditas de ‘despenalização do aborto’”. Um dia depois o próprio bispo do Porto afirmou num comunicado: “sou contra o aborto, porquanto a pessoa humana tem direito à vida desde a sua concepção até à morte natural”.

Apesar destes esclarecimentos, as palavras atribuídas ao bispo do Porto foram citadas centenas de vezes. Até a organização Catholics For a Free Choice – instituição abortista americana – emitiu um comunicado assinado pela representante europeia, Elfriede Harth, manifestando o seu reconhecimento.

Outras declarações inequívocas dos bispos do Funchal, de Aveiro, de Angra, de Évora, e de Lisboa, encontraram espaço somente na imprensa católica, sem dimensão nacional.

No dia 5 de Março, dois dias após a rejeição parlamentar da ampliação do aborto a Conferência Episcopal Portuguesa publicou o documento “Meditação sobre a vida”, expondo a doutrina cristã e desfazendo confusões. Nele se diz que “o ponto crucial de toda a polémica acerca da legislação acerca do aborto consiste nisto: o embrião humano e o feto são ou não são um ser humano desde o primeiro momento?”



Encontro marcado para 2006

Se não se conseguiu aprovar a lei, os defensores do aborto tentaram consolidar a ideia de que, se não foi agora, será necessariamente em 2006, após as eleições para o próximo parlamento.

Há certeza de que até então não se alterará a lei. Fica, também, fixado o momento para o qual se vão dirigir os esforços comunicativos pró-aborto (que costumam ter o domínio da agenda mediática). Mas também pode ser visto como um objectivo para o qual poderiam trabalhar as instituições pró-vida.

Este texto é retirado da edição nr. 57 (Março) do Infomail (uma iniciativa de um centro cultural universitário de Braga!)
De regresso algumas semanas depois olho para o tempo que se passou e lamento não ter deixado um registo diário em que se fixasse a memória do tanto que se fez (sobretudo na defesa da vida), de alguns acontecimentos e debates que mereciam comentários (educação sexual, a adopção por homosexuais), de visitas que gostava de ter contado (tive duas ao meu círculo eleitoral: uma a Braga e outra a Vizela)...
Felizmente (e no que respeita ao debate sobre o aborto do passado dia 3 de Março) há dois documentos que vou "postar": um resumo elaborado pela newsletter Infomail (disponível através de http://www.montemuro.org/infomail ) e o texto integral da declaração de voto que em conjunto com outros 8 deputados do PSD apresentámos na votação daquele dia.
Ainda a propósito do mesmo debate colo três artigos: dois da minha autoria publicados no Diário de Notícias e no Diabo e outro da minha colega Isilda Pegado, no Público.
Passemos pois aos próximos "post"...