segunda-feira, abril 04, 2005

O Padre Zézinho e "O Papa que não desceu da cruz"

O PAPA QUE NÃO DESCEU DA CRUZ
(este artigo foi-me enviado por Maria das Dores Folque)

Escrevo enquanto João Paulo II está vivo. Se alguém me ler no futuro, depois que Wojtila tiver ido ver o Senhor, talvez concorde comigo que ele passará à História como o papa que não quis descer da cruz. Acabo de ler que sofreu mais uma grave intervenção e que respira com a ajuda de aparelhos. Sua fragilidade física é visível. Faz anos.Não há como não refletir sobre a dor do papa. O nosso primeiro e rápido raciocínio seria: "Se está doente, e já não consegue mais superar os limites do seu corpo e, se papas podem renunciar, porque não renuncia? Faria um bem à Igreja e a si mesmo! É visível que o papa não está dando conta nem se de si mesmo. Como pode querer liderar uma Igreja com milhões de fiéis?"Erraríamos. Karol Wojtila, o papa João Paulo II, simplesmente decidiu ir até o fim. Estão querendo desligar os tubos do seu papado, achando que ele é uma espécie de Terri Schiavo espiritual. Ouve-se até religiosos que pleiteiam para ele o que fizeram os juizes americanos. Que deixem o papa morrer porque, de certa forma Wojtila doente incomoda. Porque ele quer sofrer desse jeito aos olhos de todos? Papas precisam ter saúde e lucidez... Ousam dizer que ele está apenas sobrevivendo e que já não atua mais. Respeitemos quem assim raciocina. Deve saber o que diz e porque o diz.Sou dos que pensam que Wojtila é mais do que um sobrevivente. Está vivendo até ás ultimas conseqüências. Mais do que nós ele sabe do seu sofrimento, leu, meditou e escreveu sobre o Cristo que não desceu da cruz quando desafiado. E faz o mesmo. Jesus disse que tinha poder para fugir daquela cruz e não o usou (Mt 26,53). Muitos dos seus discípulos não sabiam porque, nem os espectadores do seu martírio, mas Jesus sabia. Dias antes chamara Pedro de satanás porque, levado pelo seu afeto tentara dissuadi-lo daquele risco (Mt 16,22-23).Somos uma sociedade que baniu a morte pessoal, mas gostamos de ver o espetáculo da dor alheia, na televisão e em filmes recheados de violência, que mostram cabeças e corpos queimando e explodindo, enquanto o herói mata centenas de sujeitos maus e escapa ileso. Compramos jornais que sensacionalizam assassinatos e mortes. Corremos para a telinha para saber daquele bombardeio que matou centenas. A morte existe, a dor existe e gostamos de vê-la. Não gostamos é de ver a dor de nossos parentes e amigos, nem de imaginar a nossa. A cruz do outro vira espetáculo. Quando nos atinge, vira tragédia.João Paulo II não faz nem uma coisa nem outra. Não a encara a dor como espetáculo nem como tragédia pessoal. Também não pretende provocar a pena do mundo. A sua cruz é o que é e ele é quem é: o mesmo Wojtila que enfrentou com coragem tudo o que vinha pela frente. O bispo de Roma e líder dos católicos, a quem chamamos carinhosamente de papa (papai), está definhando e seus dedos nos apontam a cruz do Cristo.Ele que anunciou tantas vezes o Cristo atlético, sorridente e brilhante, mostra agora o Cristo esmagado e crucificado (1Cor 1,23) que, no dizer de Paulo, era uma pedra de tropeço para os judeus do seu tempo e loucura para os pagãos. Depois do longo martírio de Dachau e Treblinka tenho ouvido rabinos judeus dizer que entendem a postura de João Paulo II e a pregação de Paulo. Há um sentido na dor pessoal, por mais absurda que ela seja. Jesus foi um judeu que morreu na cruz e lhe deu um sentido redentor. Milhões de judeus morreram massacrados e também eles deram um sentido à própria dor e, nela á dor do seu povo. João Paulo II está dando sentido à sua dor e à dor das Igrejas - porque não sofre apenas como católico - e não desce daquela cruz pela mesma razão que o Cristo não desceu.Talvez nunca entendamos porque este papa aceitou sofrer tanto. Mas isso é problema nosso, não de João Paulo II. Ele sabe! Talvez esteja editando a sua mais profunda encíclica. Se ele mesmo não lhe der nenhum título, nós daremos: "Como o Cristo na cruz" E não terá que escrever nenhuma linha. Basta rever os seus últimos anos de dor e de martírio!
Padre Zézinho, SCJ

1 comentário:

Anónimo disse...

Só hoje tomei conhecimento deste artigo belíssimo do Padre Zezinho.
Concordo plenamente com as suas ideias.
Um abraço, Padre amigo
do Jota