quinta-feira, dezembro 25, 2008

Relato de um católico que sobreviveu ao massacre em Mumbai (India, no Taj Hotel)

Está no Catholic Exchange.
Chegou-me pelo editor da lista "É o Carteiro!" (quem a quiser receber diga-me)
Diz assim:

Na quarta-feira à noite, por volta das 10.00 horas, depois de um jantar descontraído, o meu amigo Eugene e eu entrámos no lobby do Taj Hotel de Mumbai, como já nos aconteceu centenas de vezes no decorrer das viagens que fazemos àquela cidade, na nossa qualidade de banqueiros de investimento de Nova Iorque que vivem actualmente em Hong Kong.

Ao pousar a mala em cima do balcão, ouvi um sonoro tiro, que reconheci – dos anos em que vivi na África do Sul – como sendo o de uma espingarda de assalto AK-47. Quando, momentos depois, ouvi um segundo tiro, voltei-me para o Eugene e disse-lhe: «Foge, é uma AK!»

Desatámos a correr para a saída mais próxima no momento em que os terroristas entravam no lobby do hotel, vindos de diversos pontos. Eu passei pelas portas que dão para a piscina e agachei-me por trás de uns arbustos, ouvindo o fogo a aumentar de intensidade. Apercebi-me de que o Eugene não tinha conseguido sair do lobby.

Havia mais quatro ou cinco pessoas atrás dos arbustos; tinham lá chegado antes de mim e estavam todas paralisadas de medo. Pelo barulho que se ouvia, percebi que se tratava de uma orgia de morte do tipo da que tinha ocorrido na escola de Columbine: os sujeitos armados andavam de um lado para o outro, a executar metodicamente quem encontravam. Raciocinando a grande velocidade, percebi que não era seguro continuar agachado por trás daqueles arbustos na zona da piscina.

Olhando em redor, cheguei à lastimosa conclusão de que tínhamos sido apanhados numa ratoeira, uma vez que estávamos completamente cercados por muros com mais de 3,5 metros de altura. Percorri os muros com os olhos, em busca de um apoio de mãos ou de pés, mas eles eram completamente lisos. No entanto, avistei por cima de mim uma conduta de ar condicionado, localizada a cerca de 2,5 metros. Dei um pulo, e consegui fazer saltar uma peça da conduta.

Dei outro salto e consegui agarrar-me ao tubo mas, quando tentei içar-me, caí, e as pessoas que se encontravam escondidas atrás dos arbustos mandaram-me calar. Após uma rápida invocação ao Espírito Santo – Vinde Espírito Santo, enchei os corações dos vossos fiéis! –, dei novo salto, e desta vez consegui agarrar-me bem e içar-me por sobre o muro, de onde saltei para o tecto do alpendre do barracão anexo à piscina. Estendi-me ao comprido, em silêncio, parcialmente escondido por ramos de árvores.

Ofegante, lembrei-me de mandar um e-mail aos meus colegas de Londres, a informá-los da situação. «Urgente: Não estou a brincar. No Taj Hotel de Mumbai. Assalto de homens armados. Há mortos. Chamem a polícia.» Depois tirei o som ao telefone, não fosse ele tocar e denunciar-me, atraindo rapidamente sobre mim uma morte violenta.

Passaram-se vários minutos; os gritos e sons de tiros prosseguiam. Comecei a rezar a São Miguel Arcanjo: protegei-nos no combate, defendei-nos com o vosso escudo contra as armadilhas e ciladas do demónio. E também rezei um de muitos terços, pedindo ajuda para sair daquela situação, que era indubitavelmente a experiência mais chocante e desesperada da minha vida. Estava ciente de que só por acção de Nosso Senhor sairia dali com vida.

Passou uma hora e eu continuava empoleirado lá no alto. As coisas estavam agora mais calmas, mas infinitamente mais assustadoras. De vez em quando, ouviam-se rajadas de metralhadora no escuro, indicativas de que aquela gente cruel continuava a praticar malfeitorias. A certa altura, já muito perto do pânico, rezei: Seja feita a Vossa vontade. A seguir, porém, decidi precaver-me e acrescentei: Eu sei que será feita a Tua vontade, Senhor, mas não quero dizê-lo neste momento, porque tenho receio de que isso me leve, de alguma maneira, a desistir. Vou fazer o seguinte: entrego esta situação a Nossa Senhora e que seja Ela a resolver o assunto.

Passou mais uma hora. Eu espreitava lá para baixo, observava, tentava decidir o que havia de fazer, rezava muitas vezes a oração a São Miguel, rezava Lembrai-vos a Nossa Senhora, esforçava-me por pensar com nitidez. Além disso, tentava distrair-me de uma intensa vontade de ir à casa de banho, porque (ainda) não estava disposto a dar a vida por esse alívio.

De repente, apercebi-me de que uns paquetes do hotel estavam a tentar tirar as pessoas da zona da piscina, conduzindo-as a um alçapão. Decidi – e, à distância, lamento tê-lo feito – ir também. Quando estava a passar por sobre a borda do muro para saltar para o chão, percebi que o lado do barracão por onde estava a saltar tinha uma altura de uns 7,5 metros.

Como já tinha começado a dar o salto, só por milagre consegui conter o impulso e agarrar-me à borda, literalmente com as pontas dos dedos. Consegui estabilizar por momentos, mas logo a seguir as ripas do tecto do alpendre começaram a ceder. Estendi a mão para um cano de água e, sem saber bem como, lá consegui chegar desajeitadamente ao chão sem me magoar.

Juntei-me às cinco ou seis pessoas que estavam a ser empurradas para o alçapão e fui atrás delas em silêncio. Percorremos um labirinto de escadas, de curvas e voltas, e acabámos por ir dar à zona de escritórios do hotel, que ficava no 2º andar. Entrámos numa sala onde já se encontravam umas setenta almas, acotovelando-se umas às outras, aterrorizadas. Percebi imediatamente que não estávamos ali bem; éramos um alvo de fácil acesso, sem comando nem controlo, sem qualquer dispositivo de segurança nos quatro pontos de entrada e saída. Estávamos numa posição extremamente vulnerável.

Enquanto as granadas, os tiros das AK e as bombas lançadas pelos terroristas faziam periodicamente abalar as paredes, matraqueando-nos na cabeça, retomei as minhas fervorosas – embora distraídas – orações a Nossa Senhora. Dado que (felizmente) ainda tinha bateria no Blackberry, comecei a rezar os mistérios gloriosos do terço com um amigo de Mumbai, o que foi extremamente reconfortante.

O cenário que me rodeava era surreal. Havia pessoas que tomavam chá, parecendo ignorar o perigo em que nos encontrávamos. Outras choravam e tremiam, nitidamente à beira do pânico. Eu estava absolutamente decidido a manter-me calmo e a continuar a rezar, pedindo força interior. Era possível que este cerco durasse vários dias, de maneira que era imperativo não perder o autocontrolo.

Enquanto rezava, fui observando sucessivamente os pontos de acesso ao local. Lembrei-me dos tempos em que jogava futebol no liceu, e em que treinávamos persistentemente a atenção aos ataques do adversário, para respondermos com rapidez, decidindo por onde avançar na linha ofensiva. Ia pensando: «OK, se eles avançarem pela escada A, eu corro para a porta B. Se eles entrarem pela porta C, eu salto pela janela D», etc.

Felizmente, havia uma casa de banho naquela zona. Na única vez que lá fui, encontrei vários homens escondidos nos cubículos individuais. Soube mais tarde, pelos jornais, que muitos deles passaram as oito ou nove horas que o assalto durou ali trancados.

As horas iam passando e o estado de espírito das pessoas continuava a ser de tensão, mas controlada. A certa altura, a luzinha vermelha do meu Blackberry começou a piscar. Era um colega do gabinete de segurança da minha empresa, a mandar-me sair imediatamente do sítio onde estava, porque os terroristas estavam a revistar o hotel de alto a baixo, à procura de americanos e britânicos, para os matarem. Eu tenho 1,85 m e sou nitidamente americano, especialmente numa cidade como Bombaim. Eles davam cabo de mim, mal me descobrissem.

Nesse momento, explodiu uma bomba, fazendo um ruído enorme, e começaram a ouvir-se nas escadas disparos de armas ligeiras. Presumi que o fim estivesse perto.

Mandei um rápido e-mail aos meus pais, agradecendo-lhes a vida e tudo o que me tinham dado. Depois, mandei outro e-mail à minha mulher e aos meus filhos: «Obrigado, Celeste, por teres sido
a minha melhor amiga e a minha alma gémea. Amo-te!» Devastei a alma e o coração, em busca de umas quantas pérolas de sabedoria para deixar aos meus três filhos pequenos, que os edificassem e sustentassem pela vida fora, agora que iam ficar órfãos de pai. Pedindo ajuda ao Espírito Santo, expliquei-lhes que a vida era um dom, e que eles deviam fazer todo o possível por usufruir desse dom. Pedi-lhes que tomassem conta da mãe, uns dos outros, e das pessoas que os rodeiam – e que não tivessem medo de dizer que sim à vocação. Aconselhei-os a terem uma vida de oração e a viverem as normas de piedade que nós lhes tínhamos ensinado: «Vivam intensamente a vida, rapazes, e mantenham-se sempre em estado de graça.»

A dor que sentia no coração (e o ritmo cardíaco) intensificou-se à medida que os tiros de AK se foram aproximando. Aproximei-me do chefe da sala e perguntei-lhe discretamente se podia sair pelas escadas das traseiras, porque a segurança da minha empresa me tinha dado indicações para abandonar imediatamente o edifício. O sujeito garantiu-me que estávamos seguros, mas a expressão com que o disse denunciou o medo e a insegurança que sentia. Enquanto ele conferenciava com os dois paquetes, eu posicionei-me ao pé das escadas das traseiras.

Momentos depois, os paquetes anunciaram que iam começar a deixar sair algumas pessoas, o que gerou imediatamente uma investida em direcção às escadas. Embora eu estivesse perto da porta, ouvi entoar em coro, com um encantador sotaque indiano: «As mulheres e as crianças primeiro!» Ah, com certeza! Engoli em seco e desviei-me.

As mulheres e as crianças começaram a sair da sala em grupos de oito. Cerca de um minuto depois, os homens começaram a avançar pelo meio delas. Tendo visto passar por mim uma dúzia de homens, numa altura em que a maioria das mulheres já tinha saído, eu avancei também e consegui fugir.

Tive obviamente imensa sorte – e recebi muitas graças. Soube mais tarde, pela segurança da minha empresa, que estava a controlar-me os e-mails, que os escritórios do hotel foram assaltados por homens armados cerca de cinco minutos depois de eu ter conseguido fugir. Soube também que o meu amigo Eugene tinha sido baleado no lobby do hotel, mas felizmente vai recuperar por completo. (No dia seguinte, o Eugene contou-me que eu tinha passado a correr pelo terrorista que tinha erguido a arma e o tinha atingido na coxa. Por sorte, ele foi transportado para um compartimento de segurança, de onde conseguiu fugir do hotel minutos mais tarde.)

Colegas e amigos, muita gente me pergunta como me sinto, depois de ter passado por uma experiência tão traumática. Eu respondo-lhes que me sinto óptimo – abalado, mas óptimo. No final das contas, estou convencido de que bona omnia fecit (fez tudo bem). Lembrar-me-ei sempre do pessoal do Taj Hotel, que se mostrou bem educado, cortês e corajoso durante todo aquele transe. Salvaram centenas de vidas, muitos deles à custa da própria.

Os meus amigos agnósticos e ateus têm-me dito que, se lhes acontecesse uma coisa assim, ficavam de rastos. Quanto a mim, tenho a sensação de que, por qualquer razão, o Senhor me protegeu. Tive muito pouca influência no facto de me ter salvado; foi e continua a ser Ele a controlar os acontecimentos, e ainda bem.

Que bem poderá resultar desta experiência terrível? Espero que uma fé mais profunda do poder da oração e uma confiança inabalável nos planos amorosos de Deus. Foi por isso que escrevi este relato para o Catholic Exchange – para que mais gente reze e se aproxime de Cristo e de Sua Mãe, em especial nos tempos de insegurança que atravessamos.

Por que terá Deus permitido que eu sobrevivesse àquele ataque? Não faço ideia. Nesta altura, porém, há um pensamento que não me abandona: Àquele a quem muito foi dado, muito será
pedido. Espero conseguir estar à altura das expectativas Dele.

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