quinta-feira, outubro 25, 2012

Comentários de Capitão Gay ao inquérito sobre a vida sexual dos portugueses publicado no Expresso

De um amigo meu recebi há um mês o email que abaixo reproduzo assinado por "Capitão Gay" (uma referência ao personagem do mesmo nome criado pelo humorista brasileiro Jô Soares).
É sintomático do actual ambiente cultural e social (das limitações objectivas á liberdade de expressão) que a pessoa que o escreveu (uma análise dos números da homossexualidade em Portugal a partir de um vasto inquérito à vida sexual dos portugueses promovido e publicado pelo jornal Expresso) tenha preferido refugiar-se no anonimato...
O ponto central que me parece de sublinhar, sobretudo num momento em que se inicia a discussão da co-adopção, é que esta análise quantitativa vem demonstrar que estamos perante um modo de vida mais do que residual que se já nos princípios não justificava mudanças significativas na ordem júridica (o "legislar a espreitar pelo buraco da fechadura" na expressão feliz de Maria José Nogueira Pinto) muito menos como fenómeno social.
Quem quiser ver este estudo do Expresso pode fazê-lo aqui.

A Verdadeira Dimensão do Fenómeno: 1,6% de gays em Portugal

Por: Capitão Gay

            Escrevo este texto a propósito dos dados divulgados pelo Expresso no seu estudo intitulado Tudo Sobre o Sexo dos Portugueses e começo por louvar o semanário pelo trabalho que agora nos oferece. Não que me interesse particularmente saber se 35% da direita não tem relações sexuais há mais de um ano, ou se a rapaziada do Sporting tem menos apetite pela coisa que os do Porto. Tão pouco me interessa saber se os mais ricos se sentem menos “afectados sexualmente” pela crise do que os mais pobres, ou se uma percentagem reduzida da população (4,8%) já alguma vez se aleijou no acto. Brincadeiras aparte é um estudo sério, o primeiro realizado no nosso país, e que conta com uma equipa técnica credível na qual pontuam entre outros, o sociólogo Pedro Moura Ferreira, e o psiquiatra e sexólogo Júlio Machado Vaz. O estudo tem a chancela da multinacional de estudos de mercado GFK.

Escrevo este texto para saudar com agrado a informação que finalmente alguém nos traz, respeitante à prática da homossexualidade neste nosso torrão luso. E, não, não é necessário que comecem a soar as trombetas de alerta da milícia anti-homofobia. Descansem os guardiães do politicamente correcto que não pretendo escandalizar mentalidades. Venho apenas salientar os factos apresentados (e abstenho-me de informar, por uma questão de mero pudor intelectual, se tenho ou não “amigos gay”). Preliminares à parte (para 20% dos portugueses duram entre seis e dez minutos) vamos ao que interessa.  

Sempre me deu que pensar o facto de a mera informação quantitativa nunca ter estado disponível, nem em Portugal, nem em muitos outros países do mundo civilizado. Não será estranho que, num tema tão na agenda do dia, não saibamos quantos são os que agora já se podem casar no nosso país, os que aspiram a adoptar e, sobretudo os que intimidam a nossa frágil democracia com o seu poderoso lobi? Não será estranhíssimo nunca termos sabido de que quantidade de gente se falava quando nos referíamos à temível e agora venerada “comunidade gay”? Caramba, não seremos os Estados Unidos que tudo estudam e sobre tudo têm dados estatísticos – desde o número de baratas por metro quadrado que circulam pelos esgotos de Manhatan até à pegada ecológica do turismo realizado no Grand Canyon – mas sempre soubemos quantos diabéticos temos, quantos taxistas circulam em Lisboa, quantos votam no MRPP e quantos são os sócios do Vitória de Setúbal. Curiosamente, sobre a homossexualidade, nada. Tínhamos apenas as ideias que iam sendo feitas pela comunicação social e pela indústria do entretenimento, ideias essas que nos iam fazendo pensar que “Cada vez há mais!” ou que “Agora isso está por todo o lado!” Confesso que sempre me confundiu tanta opinião definitiva, tanta certeza progressista, tanta tolerância comovida, sem nenhuma informação fiável sobre a dimensão do fenómeno, e muito menos sobre as suas causas. Quanto a números, ficávamo-nos pelo lixo que circula pela net, nunca justificado nem sustentado, claro: se o mundo fosse uma aldeia com cem habitantes, onze (!) seriam homossexuais, etc. Claro que, para quem não perdesse quinze segundos a validar este número por entre as suas relações, o boato acabava por deixar uma ideia, claramente política: vamos dizer que somos muitos para passarmos de uma margem ou de uma excepção, a uma minoria. Penso que este é o verdadeiro motivo pelo qual nunca ninguém esteve muito interessado em falar sério sobre o fenómeno. O seu número implica sempre uma classificação, mesmo que apenas mental: uma coisa é um partido político ter uma votação minoritária de 10%, e aí sim, é uma minoria, outra coisa é ter uma votação de 1% e aí, será qualquer outra coisa que me abstenho de classificar, sobretudo quando aplicada ao domínio do comportamento sexual (eu disse que não ofendia).

Mas o que é certo é que os números sempre apareceram. E, pasme-se, falamos de 1,6%! 1,6%, leram bem. No total, temos em Portugal 1,6 % de homossexuais –  0,8 % são homens e 0,8% são mulheres (se o peso for igual entre os sexos, o que não vem explicitado) – se a isto somarmos mais 0, 8 % de pessoas que já alguma vez na vida tiveram relações sexuais com alguém do mesmo sexo (entre os bissexuais) ou seja, 0,4% são homens e 0,4% são mulheres, atingimos a expressiva soma de 2,4% da população (1,2% são homens e 1,2% são mulheres) que, ou têm uma prática homossexual regular, ou alguma vez na sua vida tiveram uma relação sexual com alguém do mesmo sexo. Confesso que demorei algum tempo a perceber o que estava à frente dos meus olhos quando li a revista do Expresso, mas por fim arregalei os olhos com a certeza. Não será isto absolutamente, como agora se diz, poderoso? Desculpem-me o desabafo, mas depois de tanto filme gay – do charmoso Quatro Casamentos e um Funeral até ao viril Brokeback Mountain – depois de tanta dose diária na comunicação social e nas séries da Fox, AXN, ou nas telenovelas, depois de tanta orgulhosa parada por esse mundo fora, chegamos a isto? É disto que estamos a falar? Terá a montanha parido um hamster? Cerca de um e meio por cento?

É isto, sim, e ao Expresso o devemos. Mas no melhor pano cai a nódoa. O(a) jornalista que apresenta os dados borrou a escrita, talvez cedendo (como eu!) à ira que estes números pudessem provocar no famoso lobi. Tentou esconder - é o único tópico de todos os apresentados em que não comenta os números apurados, preferindo inventar uma suspeita sobre a veracidade do resultado no Porto…  E tentou baralhar com algumas contas bizarras de forma a que apareça por lá um 5, 7% de gente heterossexual que já beijou ou teve algum contacto sexual com alguém do mesmo sexo – o que também não é verdade, são apenas mais 2,4% (1,2% são homens e 1,2% são mulheres?) se descontarmos todos os tipos de bissexuais que estão incluídos e que, já agora, são na sua totalidade 3,1% - (1,6% são homens e 1,5% são mulheres, assumindo pesos iguais entre os sexos)

São estes os números, afinal. E aparentemente passaram despercebidos no meio das excelentes medidas preconizadas pelo nosso ministro Gaspar para revitalizar a economia. O 1,6% passou despercebidos e o lobi está calado, à espera que ninguém dê por isso. Mas eu registo porque já me basta de confusões sobre o tema e porque acho que faço um serviço a todos, divulgando-os.

E pronto. Retiro-me escondido atrás da máscara do personagem criado pelo grande Jô Soares, porque qualquer coisa que se diga sobre este tema, mesmo que seja apenas para apresentar factos, corre sempre o risco de atrair ódios e adjectivos. Como não mereço nem tenho paciência para falsas guerras, vai assim.

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