terça-feira, março 23, 2004

DECLARAÇÃO DE VOTO
No Projecto de Resolução n.º 225/IX/2*
O nosso** voto favorável à presente Resolução tem como primeira razão o facto de entendermos que a política tem por objectivo acima de tudo o bem comum e a realização do homem. Daí que o projecto político em que nos integramos carece neste momento de unidade de todo o grupo parlamentar em volta do que se entenda o mínimo de decisão comum. Porém a presente Resolução atenta contra princípios que em consciência não podemos subscrever tal como abaixo explanaremos, sendo certo que em outros pontos nos revemos inteiramente.

I – A proposta tem méritos evidentes. Louvamo-nos no ponto 2 (apoio à maternidade) e no ponto 1.6 (flexibilização do horário escolar) onde são apontados instrumentos reais de solidariedade para com pessoas que em momentos concretos da sua vida precisam de ajuda para gerir, ultrapassar e vencer circunstâncias difíceis ou especiais.
De facto, livre não é o homem que opta por cumprir um plano aprioristicamente traçado por si, pela sociedade ou pelo Estado. Este é o prisioneiro, o homem sem liberdade.
O homem livre é aquele que adere ás circunstâncias da vida e em função delas reconhece o risco inerente à existência e se constrói como homem.

II – Neste projecto, a educação sexual nas escolas é apontada como um dos instrumentos capazes de combater a gravidez inesperada que se crê seja fruto da falta de informação dos jovens.
É esta matéria de enorme sensibilidade atenta a sua natureza. A educação sexual é reconhecida, em instâncias internacionais e em tratados a que Portugal aderiu, como uma área de educação que pertence ao núcleo íntimo e identificador de uma família. Faz parte do património de cultura familiar que os pais têm o direito de transmitir aos filhos. Por isso mesmo integra-se no direito fundamental do homem de educar os seus filhos, que não pode ser violentado ou cancelado sob pena de inconstitucionalidade e atentado aos direitos fundamentais.
Ora, o projecto de resolução 225/IX/2 faz de facto referência à Constituição e à Convenção Europeia dos Direitos do Homem no que respeita a este direito dos pais. Porém, parece existir uma contradição quando se refere uma disciplina ou área curricular obrigatória.
Há por isso que ressalvar que pode e deve o Estado obrigatoriamente fornecer na escola educação sexual, mas a sua frequência está na livre disponibilidade do pai ou da mãe (ou outro encarregado de educação) do educando.
Por isso os pontos 1.1 a 1.5 deverão ser apreciados à luz do princípio fundamental acima referido; e o PSD como partido democrático, humanista e consciente da identidade do Povo Português, cujos destinos agora dirige, não poderá deixar de lhe atender nas medidas legislativas e administrativas que resultarem desta resolução.
De qualquer das formas sempre se acrescentará que, dando por certa a boa intenção dos proponentes do projecto, as experiências de educação sexual em praticamente todos os países europeus tem conduzido a resultados inversos àqueles pretendidos e, como referido por reputados especialistas na matéria, os problemas da sexualidade juvenil não provém sobretudo de falta de informação nem de escassez de acesso a meios de contracepção mas de condutas irresponsáveis induzidas pela mentalidade comum.

III – Discordância mais frontal nos merece o que nos parece ser um atropelo à liberdade de consciência no exercício de uma profissão.
A natureza, dignidade, responsabilidade e interesse público de determinadas profissões implica para os seus profissionais um conjunto de condutas éticas, que resultam da própria natureza da actividade, e que o Estado não pode violentar.
Estão entre esses profissionais o médico, o advogado, o notário e o farmacêutico.
Assim como o cliente pergunta ao advogado: “Aceita o meu caso?”; também o cliente chegado à farmácia diz(ia): “Dispensa-me este ou aquele medicamento?”
A farmácia é o estabelecimento do farmacêutico.
Na farmácia quem decide é o farmacêutico.
Vasta é já a doutrina publicada sobre esta matéria (em geral formulada para se saber se a farmácia pode ser explorada por um não farmacêutico – o que é negado na lei e nesses pareceres) onde se afirma este princípio de liberdade e discricionariedade ética e profissional concedida ao farmacêutico, atenta a natureza liberal e de serviço público da actividade.
(Em jeito de Nota Histórica, referimos o caso do notariado, antiga profissão liberal que o Estado Novo incorporou no regime da administração pública. No entanto, mesmo então, houve o cuidado de deixar expressamente consignado no Código do Notariado que o Notário é livre de tabelionar ou não os actos e contratos que lhe são solicitados).
O ponto 3.1. da resolução, ao pretender impor uma obrigação de dispensa de medicação contraceptiva (“todos os meios e métodos contraceptivos previstos na legislação em vigor”), pretende retirar ao farmacêutico uma liberdade que a lei lhe assegura, e que o regime do Estado Novo, no caso paralelo que apontámos, não ousou negar sequer aos funcionários públicos: a liberdade de juízo ético no exercício da actividade profissional.

IV – Embora tornando imperfeita a Resolução proposta, as dificuldades atrás levantadas não nos impediriam de a votar favoravelmente com uma declaração de voto que clarificasse os nossos pontos de discordância.
Já o ponto quarto da Resolução é para nós totalmente inaceitável.
As questões relacionadas com a vida intra-uterina, sua protecção, estatuto e relação com a maternidade estão intrinsecamente relacionadas.
Motivo de confronto ideológico e muitas vezes de oportunismo político, o Aborto está neste quadro carregado de dramaticidade que não pode deixar de inquietar toda a sociedade.
Muitas têm sido as horas despendidas nesta Assembleia com tal problemática.
O que está dito, está registado, e por isso é conhecido.
Ao aceitar ser deputados à Assembleia da República pelo PSD, temos pleno conhecimento dessa história, das batalhas travadas, das centenas de deputados que nesta bancada se sentaram e da forma como perante tal questão se colocaram.
Em 1984 foram feitas desta bancada intervenções brilhantes para proclamar a defesa do direito à vida, desde a concepção.
Nesse ano de 1984, o PSD, em coligação com o PS no Governo, votou em bloco contra os Projectos de Lei abortistas do Partido Comunista e do PS. A Lei 4/84 foi aprovada com votos do PS, PCP e MDP/CDE; contra votaram o PSD, o CDS e a ASDI.
Foi uma derrota que nesse dia o PSD sofreu; mas a derrota desse dia é inseparável da vitória eleitoral que se lhe seguiu. No ano seguinte, 1985, o PSD subiu ao poder, onde se manteve durante 10 anos.
A referida Lei 4/84 encontrou na sociedade exígua aceitação, não só por parte das famílias como também por parte dos profissionais de saúde a quem é pedida a participação no acto abortivo. O número de abortos praticados no Serviço Nacional de Saúde é reduzido, e não há notícia de casos concretos de alarme social causado por queixas de utentes desatendidas nos hospitais na sua pretensão de abortar. Tanto assim que o PS, proponente do projecto que deu origem à lei 4/84, não sentiu necessidade, no seu tempo de governação, de quaisquer medidas concretas de implementação.
Desde 1984 o PSD não tem alterado a posição que então definiu no debate e votação final. Nunca em qualquer congresso do PSD foi aprovada em Moção de Estratégia a adesão a tal lei; nunca o PSD se apresentou ao eleitorado com um programa de implementação pro-activa da lei 4/84.
Também em 1997 e 1998, diante de uma nova investida da esquerda para liberalizar o aborto, o PSD, na Assembleia, votou praticamente em bloco, em dois anos consecutivos, em defesa da Vida.
E aprovada a lei assumiu o risco político de a chamar a referendo e empenhou-se com o PP e os movimentos cívicos em revogá-la. O resultado de 28 de Junho de 1998 foi reclamado pelo então Presidente do PSD como uma vitória política do partido.
Ao arrepio de toda esta história política cimentada nos 20 anos decorridos desde 1984, vem agora sugerir-se ao Governo que “implemente” e crie novos mecanismos de aplicação de uma lei contra a qual o PSD votou, que nunca sufragou e para cuja ratificação não recebeu mandato nem dos militantes nem do eleitorado.
Em 1984 considerámos as propostas abortistas da maioria de esquerda e a lei que delas resultou, iníquas. O nosso juízo mantêm-se.
A lei 4/84:
Atenta contra os direitos fundamentais ao violar o primeiro direito, o direito à vida;
Atenta contra o direito à segurança, porque antes da segurança de viver, está a segurança para nascer;
Atenta contra a democracia porque abala o Estado de Direito e impõe o poder dos mais fortes sobre os mais fracos;
Retira ao homem a liberdade em vez de o ajudar a enfrentar a vida na sua dramaticidade permanente.
Assim o parece entender também a sociedade portuguesa.
Na verdade deram entrada nos últimos 30 dias e na Assembleia da República, duas petições de sinais distintos: uma, subscrita por 121.571 cidadãos, que reclamam a realização de um novo referendo sobre o aborto, e outra, subscrita por 190.635 cidadãos, que, além de exigirem medidas concretas a favor da Vida e da Família, “pretendem reafirmar a sua convicção de que a valorização da vida humana deve continuar a merecer, no Código Penal, a protecção, a todo o tempo, da vida intra-uterina, através da definição como crime, da sua violação”.

Por isso, fundados num combate de 20 anos contra a liberalização do aborto, apresentamos a presente declaração de voto a fim de que a nossa posição e certeza, seja com humildade mas firmeza, mais uma vez consignada nesta Assembleia.

Palácio de S. Bento, 3 de Março de 2004

* proposto pelos dois partidos da maioria: PSD e PP.
** esta declaração foi subscrita pelos seguintes deputados (do PSD): Isilda Pegado, Ribeiro Cristovão, Bessa Guerra, Luis Gomes, Costa Oliveira, Miguel Miranda, João Carlos Barreiras Duarte, Pina Marques e eu próprio.

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