O REI VAI NU!
(publicado no Público de 3 de Março de 2004)
O Aborto tornou-se nos últimos anos uma bandeira política que da Esquerda à Direita todos parecem gostar de desfraldar.
Por isso, se procuram consensos em nome do que todos chamam uma chaga social, e a que tragicamente parece que a Sociedade e o Estado têm de aderir.
1 – Esse desfraldar de bandeira, costuma reduzir-se apenas e tão só à discussão jurídico-penal. A saber, o Aborto deve ou não ser censurável?
Como ninguém ousa dizer que o Aborto é um acto positivo e louvável seja em que momento for, parece que a resposta à pergunta acima colocada terá de ser “O Aborto é um acto pessoal, social e juridicamente negativo”.
Está em causa, entre outros valores, em primeiro lugar o direito à vida de um ser humano, que já o é e, o direito à saúde física e mental de uma mulher e de um homem ( mãe e pai ).
No nosso Ordenamento Jurídico tudo o que não é proibido é permitido. Estado de Direito. Certo? Avancemos… Assim, não resta outra solução senão proibir.
A solução para uma dificuldade não é, não pode ser eliminar um ser humano. As elites têm de o dizer! A política do facilitismo está aí – no seu mais cruel! De que vale a solidariedade social quando perante uma dificuldade a solução apontada é – O Aborto.
Por isso o Aborto é penalmente sancionado.
2 – Em que medida? Segunda questão, muitas são as respostas.
Enfoca-se, no tempo de gestação, nas causas que podem “justificar” tal acto, nos agentes do acto, no direito comparado, e nos maiores exercícios de psiquismo que levam a dizer “O Rei vai nu”.
Está nesta linha, a última solução jurídico-penal apresentada pelo aliás brilhante, Professor de Direito Administrativo – Freitas do Amaral.
3 – De facto, o Sr. Professor:
- Não nega, a existência de uma vida humana que o direito penal deve continuar a tutelar;
- Não nega, que quem o praticar deve ser penalmente censurado (punido);
- Não concede, à mãe a livre decisão sobre o destino do ser de que é portadora;
- Ao invés, naquela formulação, quem praticar o Aborto sem fundamentos deve ser sancionado penalmente, incluindo a mãe.
4 – Porém, o exercício jurídico agora trazido a lume apresenta como “novidade” o fundamento que pode afastar a ilicitude – o estado de necessidade da mãe. Convenhamos que, este – estado de necessidade – incluído na Parte Geral do Código Penal, aplica-se já a todos os crimes tipificados na parte especial desse Código, entre eles o Aborto.
A novidade “ presunção legal (estado de necessidade da mãe)”, determina que, até prova em contrário, todas as mulheres praticam o Aborto em estado de necessidade “Lex dixit”.
Assim, todas as mulheres são “ab initio” coitadas.
A partir daqui a mulher passa a gozar de estatuto de 2ª Classe – A coitada! “Coitada”, não se pode esperar mais dela!
Todas as mulheres são assim atiradas para uma “incapacidade natural”, geradora de inimputabilidade.
Não Obrigado!
5 – Por fim, até agora era o Juiz, no âmbito do processo e em especial no Julgamento, quem apreciava do estado de necessidade.
Tanto mais que, é um conceito, amplamente trabalhado pela Jurisprudência e pela Doutrina cujos contornos não são simples de apreciar e ajuizar. Com a inversão do ónus da prova coloca-se a vida mais íntima de uma mulher nas mãos da investigação criminal, entregue na esmagadora maioria a agentes policiais. Nada tenho a opôr aos Srs. Agentes. Mas pergunto se estão estes suficientemente ilustrados para apreciar tal questão, no meio de uma investigação.
Dos 20 anos que levo de trabalho nos Tribunais, do muito que já vi e ouvi depois de sair da Faculdade de Direito, parece-me a solução agora proposta uma daquelas tentativas de “progressismo” onde no final quem sai mal, somos todos. Em especial as mulheres, os juristas (aguardo que a Academia diga de sua Justiça) e os Direitos Humanos .
De facto, não é a lei que deve ser mudada. Os ventos de leste ainda desfraldam estas bandeiras da lei do Aborto. Mas mal. Porque de facto, se é de dignidade da mulher que se trata, não se lhe ofereça o Aborto. Essa dor imensa que é destruir um ser humano, um filho. Mas a capacidade de assumir uma vida, uma fonte de esperança e alegria, uma fonte de dignidade.
Obrigado, mas queremos ser mulheres, com todos os riscos e dificuldades da vida, com a garra e a alegria de quem pode viver em liberdade.
Com humildade, mas com força e esperança, é
- Em nome dos direitos fundamentais do homem, de que o direito à vida é o primeiro;
- Em nome da segurança, que garante o direito à vida, anterior à que garante os meios para viver;
- Em nome do fundamento da democracia que é a confiança no futuro e a esperança nos homens, numa sociedade que não hierarquiza seres humanos, subordinando os mais fracos aos mais fortes que ouso dizer,
No mais … O rei vai nu!
Isilda Pegado, Deputada à Assembleia da República / PSD
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