O aborto e a Resolução: uma declaração de voto
(publicado em O Diabo de 9 de Março de 2004)
Em conjunto com oito colegas* subscrevi uma Declaração de Voto sobre o Projecto de Resolução n.º 225/IX/2 (Sobre medidas de prevenção no âmbito da interrupção voluntária da gravidez) apresentado pelos partidos social-democrata e popular, no plenário da Assembleia da República, na passada 4ª feira, e no âmbito da discussão de diversos projectos sobre aborto.
A Declaração de Voto, esclareça-se, é o meio regimental pelo qual é possível a um deputado (isolada ou conjuntamente), explicar porque votou ou deixou de votar um projecto de lei e também expressar as reservas que tenha ao texto, que por alguma razão votou favoravelmente, mas com cujo conteúdo (ou parte deste) não concorda.
Como explicamos na introdução à nossa declaração fizemo-lo (votar favoravelmente) porque nesse momento nos pareceu importante assegurar a unidade do nosso grupo parlamentar. No entanto, inconformados com algumas das suas disposições, que atentam gravemente contra a nossa consciência e princípios elementares da convivência civil (entre os quais avulta o direito à vida) apresentámos a referida declaração.
Revendo-nos inteiramente em algumas das suas disposições (referimo-nos àquelas respeitantes ao apoio à maternidade, à adopção e a grávidas em dificuldade) preocupam-nos muito três aspectos: a conciliação da obrigatoriedade da educação para a saúde (que inclui a educação sexual) com a liberdade dos pais de educarem os seus filhos; a obrigatoriedade de dispensa, pelas farmácias, de todos os meios anticonceptivos (o que inclui os abortivos) com o estatuto do farmacêutico (e o seu direito constitucional à objecção de consciência) e, por fim, as disposições relativas à lei 4/84, ou seja, ao regime actual do aborto legal.
Detenhamo-nos neste último ponto: a Resolução além de pedir ao Governo que faça cumprir uma lei que consideramos iníqua, retoma uma previsão da actual lei do aborto que consiste na possibilidade destes serem realizados em estabelecimentos particulares (reabrindo-se assim uma “caixa de pandora” pela qual poderão entrar as clínicas privadas com todas as suas consequências dramáticas). Este ponto é particularmente grave porque é precisamente a possibilidade de realizar os abortos em clínicas privadas que explica que, com uma lei em tudo idêntica à nossa, em Espanha, em 2002, se tenham realizado 77.125 ao abrigo da mesma legislação. Dos quais 98% em estabelecimentos particulares…
Vale a pena recordar que da iniquidade da actual lei do aborto, não tiveram dúvidas, em 1984, nem o PSD nem o PP: ambos os partidos votaram então contra em conjunto com a ASDI. É pena que 20 anos depois, vencidos pela pressão da mentalidade comum, numa bem intencionada tentativa de travagem das pretensões liberalizadoras, ambos os partidos se sintam obrigados a prestar vassalagem as uma lei que, como dizemos na nossa declaração, atenta contra o direito à vida, à segurança para nascer, abala o estado de direito (porque impõe o poder dos mais fortes sobre os mais fracos) e, sobretudo, retira ao homem a liberdade em vez de o ajudar a enfrentar a vida, na sua dramaticidade permanente.
António Pinheiro Torres, deputado do PSD.
* Ribeiro Cristóvão, Costa Oliveira, Miguel Miranda, Isilda Pegado, Barreiras Duarte, Luis Gomes, Pina Marques, Bessa Guerra.
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