A minha mulher é do Norte.
Casei em Caminha (no Minho, no Norte)
A minha família é do Norte (Pai do Porto, Mãe de Braga).
O Futebol Club do Porto é do Norte.
No Norte o Não é mais forte.
Passo férias no Minho há 44 anos.
O Minho é o melhor do Norte.
Tenciono acabar os meus dias em Afife (no Minho, no Norte).
Eis um belíssimo texto sobre o Norte:
«Primeiro, as verdades.O Norte é mais Português que Portugal.As minhotas são as raparigas mais bonitas do País. O Minho é a nossa província mais estragada e continua a ser a mais bela.As festas da Nossa Senhora da Agonia são as maiores e mais impressionantesque já se viram.Viana do Castelo é uma cidade clara. Não esconde nada. Não há uma Viana secreta. Não há outra Viana do lado de lá. Em Viana do Castelo está tudo àvista. A luz mostra tudo o que há para ver. É uma cidade verde-branca.Verde- rio e verde-mar, mas branca. Em Agosto até o verde mais escuro, que se vê nas árvores antigas do Monte de Santa Luzia, parece tornar-se brancoao olhar. Até o granito das casas.Mais verdades.No Norte a comida é melhor.O vinho é melhor.O serviço é melhor. Os preços são mais baixos.Não é difícil entrar ao calhas numa taberna, comer muito bem e pagar umaninharia.Estas são as verdades do Norte de Portugal.Mas há uma verdade maior.É que só o Norte existe. O Sul não existe. As partes mais bonitas de Portugal, o Alentejo, os Açores, a Madeira,Lisboa, et caetera, existem sozinhas. O Sul é solto. Não se junta.Não se diz que se é do Sul como se diz que se é do Norte.No Norte dizem-se e orgulham-se de se dizer nortenhos. Quem é que se identifica como sulista?No Norte, as pessoas falam mais no Norte do que todos os portugueses juntosfalam de Portugal inteiro.Os nortenhos não falam do Norte como se o Norte fosse um segundo país.Não haja enganos.Não falam do Norte para separá-lo de Portugal.Falam do Norte apenas para separá-lo do resto de Portugal.Para um nortenho, há o Norte e há o Resto. É a soma de um e de outro que constitui Portugal.Mas o Norte é onde Portugal começa.Depois do Norte, Portugal limita-se a continuar, a correr por ali abaixo.Deus nos livre, mas se se perdesse o resto do país e só ficasse o Norte, Portugal continuaria a existir. Como país inteiro. Pátria mesmo, por muitopequenina. No Norte.Em contrapartida, sem o Norte, Portugal seria uma mera região da Europa.Mais ou menos peninsular, ou insular. É esta a verdade.Lisboa é bonita e estranha mas é apenas uma cidade. O Alentejo é especialmas ibérico, a Madeira é encantadora mas inglesa e os Açores são um caso àparte. Em qualquer caso, os lisboetas não falam nem no Centro nem no Sul - falam em Lisboa. Os alentejanos nem sequer falam do Algarve - falam doAlentejo. As ilhas falam em si mesmas e naquela entidade incompreensível aque chamam, qual hipermercado de mil misturadas, Continente.No Norte, Portugal tira de si a sua ideia e ganha corpo. Está muitoestragado, mas é um estragado português, semi-arrependido, como quem nãoquer a coisa.O Norte cheira a dinheiro e a alecrim.O asseio não é asséptico - cheira a cunhas, a conhecimentos e a arranjinho. Tem esse defeito e essa verdade.Em contrapartida, a conservação fantástica de (algum) Alentejo é mpecável,porque os alentejanos são mais frios e conservadores (menos portugueses)nessas coisas.O Norte é feminino. O Minho é uma menina. Tem a doçura agreste, a timidez insolente da mulherportuguesa. Como um brinco doirado que luz numa orelha pequenina, o Norte dánas vistas sem se dar por isso.As raparigas do Norte têm belezas perigosas, olhos verdes-impossíveis, daqueles em que os versos, desde o dia em que nascem, se põem a escrever-sesozinhos.Têm o ar de quem pertence a si própria. Andam de mãos nas ancas. Olham defrente. Pensam em tudo e dizem tudo o que pensam. Confiam, mas não dão confiança. Olho para as raparigas do meu país e acho-as bonitas e honradas,graciosas sem estarem para brincadeiras, bonitas sem serem belas, erguidaspelo nariz, seguras pelo queixo, aprumadas, mas sem vaidade. Acho-as verdadeiras. Acredito nelas. Gosto da vergonha delas, da maneira como coramquando se lhes fala e da maneira como podem puxar de um estalo ou de umapanela, quando se lhes falta ao respeito. Gosto das pequeninas, com o cabelo puxado atrás das orelhas, e das velhas, de carrapito perfeito, que têm osolhos endurecidos de quem passou a vida a cuidar dos outros. Gosto dosbrincos, dos sapatos, das saias. Gosto das burguesas, vestidas à maneira, de braço enlaçado nos homens. Fazem-me todas medo, na maneira calada comoconduzem as cerimónias e os maridos, mas gosto delas.São mulheres que possuem; são mulheres que pertencem. As mulheres do Nortedeveriam mandar neste país. Têm o ar de que sabem o que estão a fazer. EmViana, durante as festas, são as senhoras em toda a parte. Numa procissão,numa barraca de feira, numa taberna, são elas que decidem silenciosamente. Trabalham três vezes mais que os homens e não lhes dão importância especial.Só descomposturas, e mimos, e carinhos.O Norte é a nossa verdade.Ao princípio irritava-me que todos os nortenhos tivessem tanto orgulho no Norte, porque me parecia que o orgulho era aleatório. Gostavam do Norte sóporque eram do Norte. Assim também eu. Ansiava por encontrar um nortenho quepreferisse Coimbra ou o Algarve, da maneira que eu, lisboeta, prefiro o Norte. Afinal, Portugal é um caso muito sério e compete a cada portuguêsescolher, de cabeça fria e coração quente, os seus pedaços e pormenores.Depois percebi.Os nortenhos, antes de nascer, já escolheram. Já nascem escolhidos. Não escolhem a terra onde nascem, seja Ponte de Lima ou Amarante, e apesar de asdefenderem acerrimamente, põem acima dessas terras a terra maior que é o
"O Norte".Defendem o "Norte" em Portugal como os Portugueses haviam de defender Portugal no mundo. Este sacrifício colectivo, em que cada um adia a suapertença particular - o nome da sua terrinha - para poder pertencer a umaterra maior, é comovente.No Porto, dizem que as pessoas de Viana são melhores do que as do Porto. Em Viana, dizem que as festas de Viana não são tão autênticas como as de Pontede Lima. Em Ponte de Lima dizem que a vila de Amarante ainda é mais bonita.O Norte não tem nome próprio. Se o tem não o diz. Quem sabe se é mais Minho ou Trás-os- Montes, se é litoral ou interior, português ou galego? Parecevago. Mas não é. Basta olhar para aquelas caras e para aquelas casas, paraas árvores, para os muros, ouvir aquelas vozes, sentir aquelas mãos em cima de nós, com a terra a tremer de tanto tambor e o céu em fogo, paraadivinhar.O nome do Norte é Portugal. Portugal, como nome de terra, como nome de nóstodos, é um nome do Norte. Não é só o nome do Porto. É a maneira que têm e dizer "Portugal" e "Portugueses". No Norte dizem-no a toda a hora, com amaior das naturalidades. Sem complexos e sem patrioteirismos.
Como se fosse só um nome.
Como "Norte".
Como se fosse assim que chamassem uns pelos outros.
Porque é que não é assim que nos chamamos todos? »
1 comentário:
O MEC escreve bem, mas a sua trajectória de vida é bastante diversa do que escreve (sobretudo no que respeita ao casamento).
Tem piada na sua maneira de comunicar mas, como diria alguém: "corres bem, mas em sentido oposto à meta" ;-)
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