sábado, novembro 10, 2012

Ainda o "caso" Isabel Jonet




O que está a acontecer com Isabel Jonet e que tem suscitado na blogosfera um coro de solidariedade com ela, impressionante pela extensão, insuspeitabilidade e variedade, tem duas facetas que vale a pena destacar:

A primeira é como quem está empenhado na acção social se expõe com liberdade e generosidade mas se sujeita a num instante passar de bestial a besta. Muitas vezes alerto numa das instituições que ajudei a fundar e em que estou empenhado e que goza de um prestígio que lhe é conferido pela respectiva qualidade de trabalho e dedicação dos seus profissionais, que é estatisticamente improvável (embora possível por graça de Deus, essa é a nossa esperança!) que um dia não nos aconteça, com culpa ou sem ela, um mau passo (o que nem sequer é o caso acima) e que nesse momento tantos dos que nos louvam, serão os primeiros a condenar-nos sem sequer tentar conhecer mesmo o facto ocorrido, levar em conta a nossa história e ter aquela noção de que elas só não acontecem a quem não faz nada...

A segunda é como Isabel Jonet e quem com ela trabalha no Banco Alimentar está neste momento a experimentar uma bem-aventurança, aquela de "bem-aventurados os que sofrem pela causa da justiça" (o que no caso dela e suponho, sem muito risco, de quase todos os que trabalham lá, equivale à bem-aventurança de  "quem sofre por Minha causa"). Muito mais modestamente e na minha vida política (como deputado do PSD) por causa da minha pertença à Igreja católica, passei alguns apertos e desprezos, e recordo-me bem como foi naquele momento que aquele sermão de Jesus se fez carne na minha vida. E como misteriosamente dar-me conta disso foi uma fonte de certeza e alegria a um ponto que não quereria deixar de ter passado o que passei...! Nessa medida estou convencido que desta "crise" quer o Banco Alimentar, quer a sua presidente, vão sair disto mais fortes.

Nota final: se dúvidas houvesse, olhando para quem ataca Isabel Jonet, não é dificil perceber "de que lado" estar...no fundo, no fundo, o poder do mundo só estava à espreita de uma ocasião para atacar um obra cuja origem sabe bem qual é, mas cuja actividade não era possível denegrir. Foi só ter a "ocasião" e ei-los a cair-nos em cima...




1 comentário:

Manuel Gomes de Abreu disse...

O texto do deputado Torres contém falsidades e enviesamentos que convém assinalar. As declarações de Isabel Jonet não foram “um mau passo”. Pelo contrário, são consistentes com as alarvidades que a banqueira alimentar não perde oportunidade de tonitroar, com os modos de quem se dirige à criadagem, sempre que tem tempo de antena. Quem não se lembra das vezes em que a senhora apareceu, pressurosa, ao lado de Ricardo Salgado, para caucionar a cristianíssima visão do mundo que os próceres do BES propõem? Quem não se lembra de páginas inteiras do Expresso, verdinhas de publicidade do banco das “lavagens”(não, não é comida para animais),em que a dra. Jonet perorava sobre as virtudes do capitalismo selvagem e da sua válvula de escape de eleição, a mega-esmola? Etc. Na mundividência jonetiana, a condição de privilegiado é uma condição natural, ungida pelo Além, um destino caucionado por decreto divino, tal como, de resto, a inversa condição de pobre. A justiça não passa da máquina judiciária e a esmolinha, uma oportunidade para exaltação da condescendente benevolência dos “bem-aventurados”.A economia e a organização social devem, pois, nesta prometedora visão, ser deixadas ao brutal jogo de forças do mercado, já que o sobrepujamento da complacência dos felizardos tudo rematará na perfeição das decoradoras de interiores. É neste contexto que surge o banco da dra. Jonet, como ela não se cansa de explicar: o Estado, quer dizer, uma solução estrutural para a pobreza concretizada pelas instâncias representativas de toda a sociedade, só estorva, deve afastar-se para dar espaço à roda livre do banco alimentar e dos bailes da Cruz Vermelha.
Deveria ser óbvio que isto nada tem de cristão. A vocação da Igreja não é a filantropia, aspiração vulgaríssima entre ricos. Pablo Escobar,o famigerado traficante de drogas, também dirigia uma organização sócio-esmoleira, só não consta que lhe chamasse “banco”.A Igreja é depositária da Palavra de Cristo e Cristo veio pregar a pobreza aos pobres, que esperavam outra coisa. Cristo convida-nos, pois, como diz Georges Bernanos, a olharmo-nos na pobreza como num espelho, porque ela é a imagem da nossa decepção fundamental, o lugar do Paraíso Perdido, o vazio dos nossos corações e das nossas mãos. Este vazio que só pode ser preenchido pelo mistério do amor de Deus é, nesse instante, a Cruz, a Caridade. A relação entre quem dá e quem recebe é uma relação de igualdade, mutuamente agradecida através de Deus. A Igreja, guardiã da Palavra, é defensora da honra da pobreza. A vocação da Igreja é a Caridade, que não se confunde com a esmola. A sede e fome de Justiça dos que seguem a Cristo, o Justo, não pode deixar de buscar, como de resto ensina a doutrina social da Igreja, a redenção de toda a sociedade humana. O discurso ideológico que a dra. Jonet não perde ocasião de matraquear, é, no fundo, um discurso irmão dos discursos dos Mitts Romney, Miltons Friedman, Pablos Escobar, ou Ricardos Salgado deste mundo. O discurso político de Isabel Jonet, no qual ela assenta a razão de ser do seu banco alimentar, é um discurso pornográfico e obsceno. Pornográfico, porque é a macacada de uma coisa séria. Obsceno, porque oferece uma“solução” completamente fora de cena para as reais questões que a pobreza suscita. É verdade que perante situações de fome sem solução à vista é necessário acudir urgentemente com comida, e esse trabalho é meritório. Mas defender a desnecessidade de acorrer às raízes da injustiça e propor a normalização da esmola em grande escala como solução social é repugnante. Como católico, considero vergonhoso, revelador da distância a que nos colocámos do Evangelho, que a destrinça entre esmola e Caridade não seja óbvia para os cristãos. Como católico, considero lamentável que o senhor bispo do Porto tenha sobre esta questão apenas a dizer que Isabel Jonet pretendeu somente propor uma reequação da distribuição da riqueza. Precisamente.