sábado, dezembro 09, 2006

Aborto e femininismo: o Sim passou-se...!

Se não acreditam vejam esta noticia surrealista que saiu ontem no Público...não sei o que impressiona mais: se a negação da realidade, como ela é e se apresenta, ou a repugnância pela própria natureza...?
Leiam e juro que não fui eu que inventei!

Proibição de abortar é "uma manifestação profunda e cruel do poder patriarcal"

Numa tese de mestrado, Andreia Peniche advoga a interrupção voluntária da gravidez como um direito de uma cidadania que entenda as mulheres como seres humanos plenos. Uma abordagem radical sobre um tema que em Fevereiro de 2007 será referendado.
Por Ana Cristina Pereira
Propõe-se substituir um "discurso radicalizado mas simplista" por um "discurso radical mas complexo e transgressor". Traz uma "perspectiva crítica feminista", assente na ideia de que "a proibição do aborto [por opção da mulher] não é uma medida avulsa, mas integrada na lógica de dominação patriarcal". Para Andreia Peniche, autora de Superando a perspectiva do corpo como campo de batalha: dimensionar o aborto no campo dos direitos, "o aborto deve assumir-se como um direito da cidadania e democracia reconfiguradas".Não fez uma tese distanciada sobre um dos temas mais fracturantes na sociedade portuguesa. É uma activista da despenalização e militante do BE. Fez uma "investigação interessada", já que ambicionava "compreender uma realidade social no sentido de a transformar". E defendeu-a na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto. A 4 de Fevereiro de 1998, a Assembleia da República descriminalizou o aborto a pedido da mulher até às dez semanas. A alteração legislativa foi congelada em virtude de um acordo celebrado entre os então líderes do PS (António Guterres) e do PSD (Marcelo Rebelo de Sousa). Desse entendimento, resultou o referendo de 28 de Julho que revogou o sentido do projecto-lei. A perspectiva pró-despenalização revelou-se perdedora, "porque pobre e simplista", reclama Peniche. "A alteração legislativa foi proposta como um direito que deveria ser reconhecido às mulheres, sem [contudo] entender a proibição como uma manifestação profunda e cruel do poder patriarcal: pela afirmação de uma cidadania mitigada para as mulheres e pela manutenção da heterodefinição das mulheres como identidades resultantes da sua função maternal." "A sociedade não se mexeu""A realidade pós-referendo parece ter demonstrado aquilo que os argumentos utilizados quer na Assembleia da República quer na campanha do referendo não conseguiram: o significado e o alcance da lei", acentua, numa alusão aos cinco julgamentos por aborto com direito a piquete de activistas como ela. "Fomos testemunhas de uma sociedade que se comoveu [com a possibilidade das mulheres serem presas], mas, quando pôde, não se mexeu".A tese encerra uma breve história da luta pelo direito ao aborto no Portugal democrático - recupera os movimentos, acções e reivindicações, lembra os julgamentos mediatizados, as iniciativas legislativas. Debruça-se, depois, sobre a interrupção voluntária da gravidez na comunidade internacional. E teoriza sobre "a via da emancipação na superação do patriarcado". Feitas as considerações epistemológicas e metodológicas, centra-se nos discursos proferidos durante a sessão parlamentar de 4 de Fevereiro. Analisa o conteúdo/discurso das actas, "procurando fazer emergir os discursos e argumentos utilizados pelos deputados e deputadas que serviram de sustentáculo à defesa da alteração ou manutenção legislativa". E tenta entender "que tipo de cidadania para as mulheres encerrava cada tipo de discurso". Na sessão são apresentados, discutidos e votados cinco projectos de lei ou resolução. Dois sobre descriminalização do aborto a pedido da mulher (PS e PCP), um sobre exclusão de ilicitude por razões económicas e sociais (António Braga e Eurico Figueiredo, deputados do PS), um sobre outorgação de personalidade jurídica ao embrião (CDS) e um sobre o referendo (PSD). "Apesar de se discutir uma alteração legislativa que poderá mudar a forma como as mulheres e a sua sexualidade são encaradas socialmente, os discursos não rompem com a representação das mulheres como seres de moralidade duvidosa ou ainda presos ao reino da infantilidade axiológica", indica, ao esmiuçar as propostas e os discursos (ver texto em baixo). Desconhecimento da teoria feminista"O tom geral do debate revela a completa ausência de conhecimento sobre a produção teórica feminista na reconceptualização das mulheres", aprecia Peniche. Os parlamentares "desconhecem o que são e pensam as mulheres na sua diversidade", o aborto é encarado "como algo intrinsecamente mau, o que faz das mulheres que a ele recorrem vítimas". A autora aponta "dificuldade em perceber as mulheres como seres autodeterminados e capazes de escolhas responsáveis e morais". E julga que, para os deputados e deputadas, "a maternidade é o centro da representação social das mulheres". "A única diferença é que para alguns a maternidade é um acto voluntário, um direito, e para outros é um determinismo."Compreende que os discursos espelham um "entendimento pobre da democracia e da cidadania" - uns consideram "as mulheres hierarquicamente inferiores ao feto" e outros "têm sobre elas um discurso ambíguo". Peniche admite que os defensores da alteração legislativa "de certa forma reconhecem a cidadania mitigada das mulheres". Contudo, não arriscam: a sua perspectiva "prevê o alargamento do conceito de cidadania sem fazer a sua crítica"."A ausência de poder e a derrogação do feminino transformam as mulheres e as suas subjectividades em assuntos específicos e em preciosismos de refinamento democrático", avalia a autora. "O regime democrático não inclui verdadeiramente as mulheres na cidadania. Reconhece-lhes direitos formais, mas não se transformou no sentido da igualdade."Na sua opinião, "para compreender o direito ao aborto como um direito emancipatório não basta alterar a lei, é necessária uma refundação da democracia e da cidadania que permita entender as mulheres, simbólica e praxicamente, como seres humanos plenos". "O aborto deve ser descriminalizado não apenas porque as mulheres são livres de tomar as suas decisões, mas também porque as suas acções devem ser reconhecidas e legitimadas como acções morais e responsáveis", conclui.

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