quarta-feira, março 21, 2012

Acordo Ortográfico: uma lição vinda de Angola...


  O Mundo às avessas:  O artigo da nossa vergonha… 
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Editorial do Jornal de Angola

Património em risco

08 de Fevereiro, 2012

Os ministros da CPLP estiveram reunidos em Lisboa, na nova sede da
organização, e em cima da mesa esteve de novo a questão do Acordo
Ortográfico que Angola e Moçambique ainda não ratificaram. Peritos dos
Estados membros vão continuar a discussão do tema na próxima reunião
de Luanda. A Língua Portuguesa é património de todos os povos que a
falam e neste ponto estamos todos de acordo. É pertença de angolanos,
portugueses, macaenses, goeses ou brasileiros. E nenhum país tem mais
direitos ou prerrogativas só porque possui mais falantes ou uma
indústria editorial mais pujante.
Uma velha tipografia manual em Goa pode ser tão preciosa para a Língua
Portuguesa como a mais importante empresa editorial do Brasil, de
Portugal ou de Angola. O importante é que todos respeitem as
diferenças e que ninguém ouse impor regras só porque o difícil
comércio das palavras assim o exige. Há coisas na vida que não podem
ser submetidas aos negócios, por mais respeitáveis que sejam, ou às
"leis do mercado". Os afectos não são transaccionáveis. E a língua que
veicula esses afectos, muito menos. Provavelmente foi por ter esta
consciência que Fernando Pessoa confessou que a sua pátria era a
Língua Portuguesa.
Pedro Paixão Franco, José de Fontes Pereira, Silvério Ferreira e
outros intelectuais angolenses da última metade do Século XIX também
juraram amor eterno à Língua Portuguesa e trataram-na em conformidade
com esse sentimento nos seus textos. Os intelectuais que se seguiram,
sobretudo os que lançaram o grito "Vamos Descobrir Angola", deram-lhe
uma roupagem belíssima, um ritmo singular, uma dimensão única. Eles
promoveram a cultura angolana como ninguém. E o veículo utilizado foi
o português. Queremos continuar esse percurso e desejamos que os
outros falantes da Língua Portuguesa respeitem as nossas
especificidades. Escrevemos à nossa maneira, falamos com o nosso
sotaque, desintegramos as regras à medida das nossas vivências,
introduzimos no discurso as palavras que bebemos no leite das nossas
Línguas Nacionais. Sabemos que somos falantes de uma língua que tem o
Latim como matriz. Mas mesmo na origem existiu a via erudita e a via
popular. Do "português tabeliónico" aos nossos dias, milhões de seres
humanos moldaram a língua em África, na Ásia, nas Américas.
Intelectuais de todas as épocas cuidaram dela com o mesmo desvelo que
se tratam as preciosidades.
Queremos a Língua Portuguesa que brota da gramática e da sua matriz
latina. Os jornalistas da Imprensa conhecem melhor do que ninguém esta
realidade: quem fala, não pensa na gramática nem quer saber de regras
ou de matrizes. Quem fala quer ser compreendido. Por isso, quando
fazemos uma entrevista, por razões éticas mas também técnicas, somos
obrigados a fazer a conversão, o câmbio, da linguagem coloquial para a
linguagem jornalística escrita. É certo que muitos se esquecem deste
aspecto, mas fazem mal. Numa entrevista até é preciso levar aos
destinatários particularidades da linguagem gestual do entrevistado.
Ninguém mais do que os jornalistas gostava que a Língua Portuguesa não
tivesse acentos ou consoantes mudas. O nosso trabalho ficava muito
facilitado se pudéssemos construir a mensagem informativa com base no
português falado ou pronunciado. Mas se alguma vez isso acontecer,
estamos a destruir essa preciosidade que herdámos inteira e sem
mácula. Nestas coisas não pode haver facilidades e muito menos
negócios. E também não podemos demagogicamente descer ao nível dos que
não dominam correctamente o português.
Neste aspecto, como em tudo na vida, os que sabem mais têm o dever
sagrado de passar a sua sabedoria para os que sabem menos. Nunca
descer ao seu nível. Porque é batota! Na verdade nunca estarão a esse
nível e vão sempre aproveitar-se social e economicamente por saberem
mais. O Prémio Nobel da Literatura, Dário Fo, tem um texto fabuloso
sobre este tema e que representou com a sua trupe em fábricas,
escolas, ruas e praças. O que ele defende é muito simples: o patrão é
patrão porque sabe mais palavras do que o operário!
Os falantes da Língua Portuguesa que sabem menos, têm de ser ajudados
a saber mais. E quando souberem o suficiente vão escrever
correctamente em português. Falar é outra coisa. O português falado em
Angola tem características específicas e varia de província para
província. Tem uma beleza única e uma riqueza inestimável para os
angolanos mas também para todos os falantes. Tal como o português que
é falado no Alentejo, em Salvador da Baía ou em Inhambane tem
características únicas. Todos devemos preservar essas diferenças e
dá-las a conhecer no espaço da CPLP. A escrita é "contaminada" pela
linguagem coloquial, mas as regras gramaticais, não. Se o étimo latino
impõe uma grafia, não é aceitável que através de um qualquer acordo
ela seja simplesmente ignorada. Nada o justifica. Se queremos que o
português seja uma língua de trabalho na ONU, devemos, antes do mais,
respeitar a sua matriz e não pô-la a reboque do difícil comércio das
palavras.

  Álvaro Barroso    

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